Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sábado, 1 de novembro de 2014

O Buscador é o Buscado













Um casal europeu visitou Maharaj por uma semana. Marido e esposa estiveram interessados na metafísica vedântica por muitos anos e tinham estudado profundamente o assunto. Havia neles, contudo, um toque de cansaço, quase de frustração, em seus pontos de vista e comportamento geral, o qual mostrava claramente o que foi posteriormente confirmado. Eles não tinham nenhuma compreensão clara da verdade a despeito da assídua busca por um longo período de tempo durante o qual tinham viajado intensamente, e tinham buscado orientação de numerosos Gurus, mas sem sucesso. Agora, estavam, talvez, perguntando-se se iam para outro exercício de futilidade e para mais frustração.

          Depois de terem fornecido as informações sobre seus fundamentos em resposta à pergunta habitual de Maharaj, sentaram-se com indiferença. Maharaj olhou para eles por poucos momentos e disse: Por favor, entendam que eu não tenho nada para dar a vocês. Tudo o que faço é pôr diante de vocês um espelho espiritual para mostrar sua verdadeira  natureza. Se o significado do que digo for entendido claramente, intuitivamente – não apenas de forma verbal –, e aceito com a mais profunda convicção e a mais urgente rapidez, não será mais necessário nenhum conhecimento. Este entendimento não é uma questão de tempo (de fato, é anterior ao conceito de tempo) e, quando ele acontece, acontece repentinamente, quase como um choque de compreensão atemporal. Efetivamente, isto significa uma repentina cessação do processo de duração, uma fração de segundo em que o funcionamento do próprio processo do tempo é suspenso – enquanto acontece a integração com o que é anterior à relatividade – e a apreensão absoluta ocorre. Uma vez que esta semente de compreensão tenha se enraizado, o processo de libertação relativa da escravidão imaginada pode seguir seu próprio curso, mas a apreensão em si mesma é sempre instantânea.
          A palavra-chave no processo de entendimento do que digo é ‘espontaneidade’. A manifestação de todo o universo é como um sonho, um sonho cósmico, exatamente como o sonho microcósmico de um indivíduo. Todos os objetos são objetos sonhados, todos são aparições na consciência, tanto no caso de um sonho surgindo espontaneamente como um sonho pessoal durante o sono ou como o sonho vivente da vida no qual nós todos estamos sendo sonhados e vividos. Todos os objetos, todas as aparições são sonhadas na consciência pelos seres sensíveis.
          Os seres sensíveis são, portanto, tanto figuras sonhadas como sonhadores; não há um sonhador individual, como tal. Cada sonho ativo do universo está na consciência, a qual está no interior de um aparato psicossomático particular, o meio através do qual o perceber e o interpretar ocorrem, e que é confundido com uma entidade individual. No sono profundo não há sonho e, portanto, nenhum universo. É apenas quando você usa a mente dividida que você existe separado dos ‘outros’ e do mundo.
          Você não tem controle sobre os objetos em seu sonho pessoal, incluindo o objeto que ‘você’ é em seu sonho. Tudo é espontâneo e, ainda assim, cada um dos objetos em seu sonho pessoal não é senão você. No sonho que é a vida, também, todos os objetos (todos os ‘indivíduos’, mesmo se são opostos um ao outro no sonho) podem apenas ser o que-você-é. Todo funcionamento, toda ação na vida, portanto, pode ser apenas ação espontânea, pois não há nenhuma entidade a realizar qualquer ação. Você é (Eu sou) o funcionamento, o sonho, a dança cósmica de Shiva!
          Finalmente, lembre-se que todo sonho de qualquer tipo deve necessariamente ser fenomênico – uma aparição na consciência –, ocorrido quando a consciência estiver ‘desperta’, que é quando a consciência é consciente de si mesma. Quando a consciência não é consciente de si mesma, não pode haver nenhum sonho, como no sono profundo.
          Ao chegar neste ponto, o homem do casal tinha uma dúvida. Sua pergunta era: Se todos nós somos figuras sonhadas, sem qualquer escolha independente de decisão e ação, por que deveríamos preocupar-nos com escravidão e liberação? Por que deveríamos vir para Maharaj?
          Maharaj riu e disse: Você parece ter chegado à conclusão correta pelo caminho errado! Se você quer dizer que agora está convencido, além de qualquer sombra de dúvida, que o objeto com o qual você havia se identificado é realmente apenas um fenômeno totalmente destituído de qualquer substância, independência ou autonomia – simplesmente uma aparição sonhada na consciência de outro alguém – e que, portanto, para uma simples sombra não pode haver qualquer problema de escravidão ou liberação, e que, consequentemente, não há necessidade de forma alguma de vir e ouvir-me, então você está perfeitamente certo. Se for assim, você não está apenas certo, mas já liberado! Mas, se você quer dizer que deve continuar a visitar-me apenas porque não pode aceitar que é uma mera figura sonhada, sem qualquer independência ou  autonomia, então receio que nem mesmo deu o primeiro passo. E, de fato, desde que haja uma entidade buscando a liberação, ela nunca a encontrará.
          Veja isto desta forma simples: Qual é a base de qualquer ação? A necessidade. Você come porque há uma necessidade disto; seu corpo evacua porque é necessário. Você me visita por causa da necessidade de visitar-me e escutar o que digo. Quando há a necessidade, a ação se segue espontaneamente sem qualquer intervenção de qualquer agente. Quem sente a necessidade? A consciência, certamente, sente a necessidade através da mediação do aparato psicossomático. Se você pensar que é este aparato, não é este o caso de identidade errada, assumindo a carga da escravidão e buscando a liberação? Mas na realidade o que pergunta, o buscador, é o buscado!
          Uma calma absoluta reinou na salinha enquanto todos ponderavam sobre o que Maharaj havia dito. O casal visitante sentou com os olhos fechados, esquecido dos arredores, enquanto os demais visitantes, gradualmente, saiam.

De: "Sinais do Absoluto" - Diálogos resolutivos com Sri Nisargadatta Maharaj












domingo, 17 de agosto de 2014

"Eu Sou Aquilo" - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj






Namaskar amigos.

O livro "Eu Sou Aquilo" - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj está agora disponível em sua 2a edição revisada - em brochura e capa dura.




Compartilhem. 


    
Namastê                                 












segunda-feira, 19 de maio de 2014

Ele veio zombar...








          Quando se participa aos diálogos entre Maharaj e seus visitantes por algum tempo, fica-se surpreso com a diversidade de perguntas que são feitas – muitas delas terrivelmente ingênuas – e com a espontaneidade e facilidade com as quais as respostas vêm do Mestre. Perguntas e respostas são traduzidas tão acuradamente quanto possível. As respostas de Maharaj em Marathi, que é a única língua que domina, seriam naturalmente baseadas nas palavras do Marathi usadas na tradução da pergunta. Em suas respostas, contudo, Maharaj faz um uso muito hábil das palavras do Marathi empregadas na tradução da pergunta, ou por meio de trocadilhos, ou leves mudanças nas próprias palavras, produzindo interpretações algumas vezes totalmente diferentes de seus significados usuais. A exata significação de tais palavras nunca poderia ser obtida em qualquer tradução.  Maharaj francamente admite que, geralmente, faz uso claro e direto do Marathi com o fim de tornar manifestos o nível mental do interlocutor, sua intenção, e o condicionamento por trás da pergunta. Se o interlocutor toma a sessão como um entretenimento, embora de um tipo superior, Maharaj está pronto para juntar-se à diversão, na ausência de melhor assunto e melhor companhia!
          Entre os visitantes, há ocasionalmente um tipo pouco comum de pessoa que tem um intelecto muito penetrante, mas é dotado de um ceticismo devastador. Ele presume que tem uma mente aberta e uma curiosidade intelectual penetrante. Ele quer ser convencido e não meramente enganado por palavras vagas e incertas que os mestres religiosos freqüentemente distribuem em seus discursos. Maharaj, com certeza, rapidamente reconhece este tipo e, então, a conversa imediatamente assume um tom de mordacidade que o deixa abalado. A percepção intuitiva subjacente às palavras de Maharaj simplesmente varre a crítica metafísica proposta por semelhante intelectual. É de maravilhar-se ver como um homem, o qual não tem nem mesmo o benefício de uma educação adequada, possa mostrar mais talento que vários eruditos pedantes e cépticos agnósticos que se acreditam invulneráveis.  As palavras de Maharaj são sempre eletrizantes e brilhantes. Ele nunca cita autoridades das escrituras em Sânscrito ou em qualquer outra língua. Se um dos visitantes citasse um verso do Gita, Maharaj tinha que pedir sua tradução para o Marathi. Sua intuição perceptiva não precisa do apoio das palavras de qualquer outra autoridade. Seus próprios recursos internos são, sem dúvida, ilimitados. O que quer que eu diga, disse Maharaj, sustenta-se por si mesmo, não necessitando nenhum outro apoio.
          Um dos visitantes habituais às sessões trouxe com ele um amigo e o apresentou a Maharaj como um homem com um intelecto muito aguçado que não aceitaria nada como verdade absoluta e que questionaria tudo antes de aceitar. Maharaj disse que estava feliz por encontrar tal pessoa. O novo visitante era um professor de Matemática.
          Maharaj sugeriu que seria talvez melhor para ambos conversar sem hipóteses de qualquer tipo, diretamente do nível básico. Ele gostaria disto? O visitante deve ter ficado muito surpreendido com esta oferta. Ele disse que estava encantado com a sugestão.

Maharaj: Agora, diga-me, você está sentado diante de mim aqui e agora. O que exatamente pensa que ‘você’ é?
Visitante: Sou um ser humano do sexo masculino, quarenta e nove anos, com certas medidas físicas e certas esperanças e aspirações.
M: Qual sua imagem de si mesmo dez anos atrás? A mesma de agora? E quando você tinha dez anos de idade? E quando você era uma criança? E mesmo antes disto? Sua imagem de si mesmo não mudou o tempo todo?
V: Sim, o que considero como minha identidade mudou todo o tempo.
M: E, no entanto, não há alguma coisa, quando pensa sobre si mesmo – no fundo do coração –, que não mudou?
V: Sim, há, embora eu não possa especificar o que é exatamente.
M: Não seria o simples sentido de ser, o sentido de existir, o sentido de presença? Se você não estivesse consciente, seu corpo existiria para você? Haveria qualquer mundo para você? Teria, então, qualquer pergunta sobre Deus ou o Criador?
V: Isto, certamente, é algo a ponderar. Mas, diga-me, por favor, como você vê a si mesmo?
M: Eu sou este eu sou ou, se preferir, eu sou esse eu sou.
V: Desculpe-me, mas eu não entendi.
M: Quando você diz “eu penso que entendi”, está tudo errado. Quando você diz “eu não entendi”, isto é absolutamente verdadeiro. Deixe-me simplificar: eu sou a presença consciente – não esta pessoa ou aquela, mas Presença Consciente, como tal.
V: Agora, novamente, estou para dizer que penso que entendi! Mas você disse que isto é errado. Você não está tentando confundir-me deliberadamente, está?
M: Ao contrário, estou dizendo para você qual é a posição exata. Objetivamente, eu sou tudo que aparece no espelho da consciência. Absolutamente, eu sou aquilo. Eu sou a consciência na qual o mundo aparece.
V: Infelizmente, não vejo isto. Tudo o que posso ver é o que aparece diante de mim.
M: Você seria capaz de ver o que aparece diante de você se não estivesse consciente? Não. Não é toda existência, portanto, puramente objetiva na medida em que você existe apenas em minha consciência e eu na sua? Não é claro que nossa experiência um do outro está limitada a um ato de cognição na consciência? Em outras palavras, o que nós chamamos nossa existência está meramente na mente de algum outro e, portanto, é apenas conceitual? Pondere sobre isto também.
V: Você está tentando me dizer que todos nós somos meros fenômenos na consciência, fantasmas no mundo? E o que diríamos sobre o próprio mundo? E sobre todos os eventos que acontecem?
M: Pondere sobre o que eu disse. Você pode descobrir alguma falha? O corpo físico, o qual geralmente alguém identifica como a si mesmo, é apenas uma estrutura física para o Prana (a força vital) e para a consciência. Sem o Prana e a consciência, o que seria o corpo físico? Apenas um cadáver! É apenas porque a consciência identificou-se erradamente como sua cobertura física – o aparato psicossomático – que o indivíduo aparece.
V: Agora, você e eu somos indivíduos separados que têm de viver e trabalhar neste mundo junto com milhões de outros, certamente. Como você me vê?
M: Vejo você neste mundo exatamente como você vê a si mesmo em seu sonho. Isto satisfaz você? Em um sonho, enquanto seu corpo está descansando em sua cama, você criou todo um mundo – paralelo ao que você chama mundo “real” – no qual existem pessoas, incluindo você mesmo. Como você se vê no seu sonho? No estado de vigília, o mundo emerge e você é levado para o que eu chamaria um estado de sonho acordado. Enquanto você está sonhando, seu mundo de sonho aparece para você como muito real, sem dúvida, não é assim? Como você sabe que este mundo que você chama ‘real’ não é também um sonho? É um sonho do qual você deve se acordar pela visão do falso como falso, do irreal como irreal, do transitório como transitório; ele pode ‘existir’ apenas no espaço e no tempo conceituais. E, então, depois de tal ‘despertar’, você estará na Realidade. Então você verá o mundo como ‘vivente’, como um sonho fenomênico dentro da periferia da percepção sensorial no espaço e tempo, com um aparente livre-arbítrio.
          Agora, a respeito do que você chama um indivíduo: Por que você não examina analiticamente este fenômeno com a mente aberta, depois de abandonar todo condicionamento mental existente e todas as idéias preconcebidas? Se você fizer assim, o que você encontrará? O corpo é meramente uma estrutura física para a força vital (Prana) e para a consciência, o qual constitui um tipo de aparato psicossomático; e este ‘individuo’ nada faz a não ser responder ao estimulo externo e produzir imagens e interpretações ilusórias. E, além disto, este ser sensível individual pode ‘existir’ apenas como um objeto na consciência que o reconhece! É apenas uma alucinação.
V: Você quer dizer com isto que você não vê diferença entre um sonho sonhado por mim e minha vida neste mundo?
M: Você já tem bastante para cogitar e meditar. Está certo que deseja prosseguir?
V: Estou acostumado a grandes doses de estudo sério e não tenho dúvidas que você também. De fato, seria mais gratificante para mim se pudéssemos prosseguir e levar isto à sua conclusão lógica.
M: Muito bem. Quando você está em sono profundo, o mundo fenomênico existe para você? Você não poderia, intuitiva e naturalmente, visualizar seu estado primitivo – seu ser original – antes que esta condição corpo-consciência irrompesse sobre você sem ser solicitada, por si mesma? Neste estado, você estaria consciente de sua “existência”? Não, certamente.
          A manifestação universal está apenas na consciência, mas o ‘desperto’ tem seu centro de visão no Absoluto. No estado original de puro ser, não consciente de sua qualidade de ser, a consciência surge como uma onda sobre a extensão das águas, e o mundo aparece e desaparece na consciência. As ondas se levantam e caem, mas a expansão das águas permanece. Antes de todos os princípios, de todos os fins, eu sou. O que quer que aconteça, devo estar presente para testemunhar.
     Não é que o mundo não ‘exista’. Ele existe, mas meramente como uma aparência na consciência – a totalidade do manifesto conhecido na infinidade do desconhecido, o não manifestado. O que começa deve terminar. O que aparece deve desaparecer. A duração da aparição é um assunto relativo, mas o princípio é que o que quer que seja sujeito ao tempo e à duração deve terminar e é, portanto, não real.
          Você não pode perceber imediatamente que neste sonho da vida você ainda está dormindo, que tudo que seja reconhecível está contido nesta fantasia da vida? E que aquele que, enquanto conhecer este mundo objetificado, considerar-se uma ‘entidade’ separada da totalidade que conhece é, em realidade, parte integral deste mesmo mundo hipotético?
          Considere também: Nós parecemos estar convencidos de que vivemos uma vida própria, de acordo com nossos próprios desejos, esperanças e ambições, de acordo com nosso próprio plano e objetivo, através de nossos próprios esforços individuais. Mas é realmente assim?   Ou estamos sendo sonhados e vividos sem vontade, totalmente como fantoches, exatamente como em um sonho pessoal? Pense! Nunca esqueça que, assim como o mundo existe, embora como uma aparência, as figuras sonhadas também, neste ou naquele sonho, devem ter um conteúdo – elas são o que o sujeito do sonho é. É por isto que digo: Relativamente ‘eu’ não sou, mas eu mesmo sou o universo manifesto.
V: Penso que começo a entender toda a ideia.
M: Não é o pensamento de si mesmo uma noção na mente? O pensamento está ausente quando se vê as coisas intuitivamente. Quando você pensar que entendeu, você não entendeu. Quando perceber diretamente, não há nenhum pensamento. Você sabe que está vivo; você não ‘pensa’ que você está vivo.
V: Céus! Isto parece ser uma nova dimensão que você está apresentando.
M: Bem, nada sei sobre uma nova dimensão, mas você se expressou bem. De fato, poderia ser dito que tal dimensão adquire uma nova direção de medida – um centro novo de visão – na medida em que, evitando os pensamentos e percebendo diretamente as coisas, evita-se a concepção. Em outras palavras, vendo com a mente total, intuitivamente, o observador aparente desaparece, e a visão torna-se o visto.
          O visitante então se levantou e prestou seus respeitos a Maharaj com muito maior devoção e submissão do que a que havia mostrado na chegada. Ele olhou para dentro dos olhos de Maharaj e sorriu. Quando Maharaj perguntou por que sorria, disse que havia lembrado de um provérbio em Inglês: “Eles vieram para zombar e permaneceram para orar.”


De: "Sinais do Absoluto" - Pointers from Nisargadatta (Ramesh Balsekar)




quinta-feira, 13 de março de 2014

O espetáculo continua








"Embora possa parecer surpreendente, Maharaj é um excelente ator. Suas feições são variáveis e ele tem olhos grandes e expressivos. Ao narrar um incidente ou discutir algum assunto, suas feições respondem espontaneamente às suas palavras e ações. Sua fala é muito articulada e, quando conversa, faz uso livre de gestos. E, por conseguinte, uma coisa é escutar uma gravação de suas conversas e totalmente outra é ouvir sua voz vibrante acompanhada pela gesticulação apropriada.  É um ator, sem dúvida.
          
          Uma manhã, entre os ouvintes estava um ator europeu famoso. Maharaj estava explicando como a imagem que se tem de si mesmo não é fiel; ela muda de um momento para outro de acordo com a mudança das circunstâncias. Ele passou por toda a gama de etapas normais da vida, descrevendo a imagem que se tem de si mesmo como uma criança, sugando o seio materno e não desejando nada mais; então, como um adolescente, cheio de saúde e força, e com ambições de conquistar o mundo; mais à frente, um homem infeliz no amor, seguido pela fadiga do ganha-pão devido às responsabilidades familiares, e, finalmente, como um velho homem doente nem mesmo capaz de abrir a boca ou controlar suas funções corporais. Qual o real em você? Quais destas distintas imagens? – perguntou Maharaj.

          A narração de Maharaj era bastante viva e acompanhada com ações e efeitos de som apropriados aos vários estágios da vida que ele descreveu. Era puro drama! Nós o ouvimos em muda admiração, e o ator profissional estava pasmo. “Nunca antes havia visto uma atuação tão brilhante” – disse ele, embora não tenha entendido uma palavra sequer da tão eloqüente linguagem que Maharaj, de forma tão poderosa, havia falado. Ele estava fascinado. Enquanto o ator não cabia em si de assombro, Maharaj, com um brilho malicioso no olhar, disse para ele: “Sou um bom ator. Não sou?” E acrescentou: Você realmente entendeu o que eu quis dizer, de qualquer forma? Sei que você apreciou minha pequena apresentação.  Mas o que você viu agora não é mesmo uma parte infinitesimal do que sou capaz de fazer. Todo o universo é meu palco. Não atuo apenas, mas construo o cenário e o equipamento; escrevo o roteiro e dirijo os atores. Sim, sou um ator desempenhando o papel de milhões de pessoas – e, além disto, este espetáculo nunca termina! O roteiro é continuamente escrito, novos personagens são concebidos, novos cenários são escorados para muitas diferentes situações. Não sou um ator/diretor/produtor maravilhoso?


          A verdade, contudo, é – ele acrescentou – que todos vocês podem dizer a mesma coisa sobre si mesmos. Mas é sem dúvida irônico que, uma vez que você seja realmente capaz de sentir com profunda convicção que é assim, o espetáculo termine para você! Você pode perceber que é apenas você que está desempenhando o papel de todos os personagens no mundo? Ou você se limitará a um papel restrito que lhe designaram e viverá e morrerá nesse papel insignificante?"




De: "Sinais do Absoluto"   Pointers from Nisargadatta 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Vá Além da Ideia ‘Eu sou o corpo’









Pergunta: Somos como animais, correndo em vãs ocupações, e não parece que isto tenha um fim. Há alguma saída?

Maharaj: Muitos caminhos lhe serão oferecidos, mas só o farão andar em círculos e o devolverão a seu ponto de partida. Primeiro compreenda que seu problema só existe em seu estado de vigília, o qual, por mais doloroso que seja, você é capaz de esquecer totalmente quando vai dormir. Quando você está desperto, você está consciente; quando dorme, apenas está vivo. Consciência e vida – você pode chamá-las Deus; mas você está além de ambas, além de Deus, além de ser e do não ser. O que o impede de conhecer-se como o todo e além do todo é a mente baseada na memória. Ela tem poder sobre você enquanto confiar nela; não lute com ela, simplesmente desconsidere-a. Privada da atenção, a mente se aquietará e revelará o mecanismo de seu funcionamento. Uma vez que você conheça sua natureza e seu propósito, não lhe permitirá criar problemas imaginários.

P: Seguramente, nem todos os problemas são imaginários. Há problemas reais.

M: Que problema pode existir que não seja criado pela mente? A vida e a morte não criam problemas; os prazeres e as dores vão e vêm, são experienciados e esquecidos. São a memória e a antecipação que criam problemas de obtenção ou de evitação, coloridos por preferência ou antipatia. A verdade e o amor são a real natureza do homem, e mente e coração são os meios de sua expressão.

P: Como colocar a mente sob controle? E o coração, o qual não sabe o que quer?

M: Eles não podem funcionar na escuridão. Necessitam da luz da pura Consciência para funcionar corretamente. Todo esforço para controlá-los meramente os sujeitará aos ditames da memória. A memória é um bom servo, mas um pessimo senhor. Ela efetivamente impede a descoberta. Não há lugar para o esforço na realidade. O egoísmo, devido à autoidentificação com o corpo, é o problema principal e a causa de todos os demais problemas. E o egoísmo não pode ser eliminado pelo esforço, só mediante a visão clara de suas causas e efeitos. O esforço é um sinal de conflito entre desejos incompatíveis. Eles deveriam ser vistos tais como são - só então eles se dissolvem.

P: E o que permanece?

M: Aquilo que não pode mudar permanece. A grande paz, o profundo silêncio, a beleza oculta da realidade. Embora não possa ser transmitida através de palavras, ela está lhe esperando para que você a experiencie por si mesmo.

P: Não se deve estar apto e adequado à realização? Nossa natureza é animal até o âmago. A menos que ela seja conquistada, como podemos esperar que a realidade desponte?

M: Deixe o animal consigo mesmo. Deixe-o existir. Apenas lembre-se do que você é. Use cada incidente do dia para lhe lembrar de que sem você como testemunha não haveria nem o animal nem Deus. Compreenda que você é ambos, a essência e a superfície de tudo que é, e permaneça firme na sua compreensão.

P: Basta a compreensão? Não são necessárias provas mais tangíveis?

M: É o seu entendimento que decidirá sobre a validade das provas. Mas que prova mais tangível que sua própria existência você necessita? Onde quer que você vá, você encontra a si mesmo. Por mais longe que você se estenda no tempo, você estará ali.

P: Obviamente, não sou universal nem eterno. Eu estou apenas aqui e agora.

M: Bom o suficiente. O ‘aqui’ está em todo lugar e o agora – sempre. Vá além da ideia ‘Eu sou o corpo’ e você descobrirá que tempo e espaço estão em você, e não você neles. Uma vez que haja entendido isto, o principal obstáculo à realização será removido.

P: Qual é a realização que está além do entendimento?

M: Imagine uma densa floresta cheia de tigres e você numa robusta gaiola de aço. Sabendo-se bem protegido pela gaiola, você observa destemido os tigres. Depois, os tigres estão na gaiola e você, andando a esmo pela floresta. No final, a gaiola desaparece e você cavalga sobre os tigres!

P: Assisti a uma das sessões de meditação em grupo, celebrada recentemente em Bombaim, e testemunhei o frenesi e o autoabandono dos participantes. Por que as pessoas gostam de tais coisas?

M: Tudo isso são invenções de uma mente inquieta mimando as pessoas que buscam sensações. Algumas delas ajudam o inconsciente a vomitar recordações e desejos reprimidos e, neste nível, proporcionam alívio. Mas, no final das contas, deixam o praticante onde estava – ou pior.

P: Li recentemente o livro de um Iogue sobre suas experiências na meditação. Está cheio de visões e sons, cores e melodias; um espetáculo total e o mais brilhante entretenimento! No final, tudo desapareceu e apenas o sentimento de total destemor restou. Não é de se estranhar, um homem que passou ileso por todas essas experiências não necessita temer nada! Ainda assim eu estava me perguntando sobre a utilidade de tal livro para mim.

M: De nenhuma utilidade, provavelmente, visto que não o atraiu. Outros podem ficar impressionados. As pessoas diferem. Mas todos encaram o fato de sua própria existência. ‘eu sou’ é o último fato; ‘Quem sou eu?’ é a última pergunta para a qual todos devem encontrar uma resposta.

P: A mesma resposta?

M: A mesma em essência, mas variada em expressão.

Cada buscador aceita ou inventa um método que lhe convenha, aplica-o a si mesmo com certa seriedade e esforço, obtém resultados segundo seu temperamento e expectativas, funde-os no molde das palavras, converte-os em um sistema, estabelece uma tradição e começa a admitir os demais em sua ‘escola de Ioga’. Tudo é construído na memória e na imaginação. Nem tal escola não tem valor, nem é indispensável; em cada uma delas pode-se progredir até o ponto onde todo desejo de progresso deve ser abandonado para tornar possível algum progresso ulterior. Então todas as escolas são abandonadas. Todo esforço cessa; na solidão e na escuridão é dado o último passo, que acaba com a ignorância e com o medo para sempre. O verdadeiro mestre, contudo, não aprisionará seu discípulo em um conjunto prescrito de ideias, sentimentos e ações; ao contrário, mostrará a ele, pacientemente, a necessidade de libertar-se de todas as ideias e padrões estabelecidos de comportamento, a ser vigilante e sério, e a seguir a vida para onde ela o levar, não para desfrutar ou sofrer, mas para compreender e aprender.

Guiado pelo verdadeiro mestre, o discípulo aprende a aprender, não a recordar e a obedecer. A nobre companhia do Satsang não molda, liberta. Cuidado com todos que o tornam dependente! A maioria das assim chamadas 'entregas ao Guru' termina em desapontamento, quando não em tragédia. Felizmente, um buscador sério se livrará em tempo, mais sábio depois da experiência.

P: Sem dúvida, a entrega de si mesmo tem o seu valor.

M: A  autoentrega é a entrega de todo interesse por si mesmo. Não pode  ser feita, acontece quando você realiza sua verdadeira natureza.  A autoentrega verbal, inclusive acompanhada de sentimentos, tem pouco  valor e se desfaz sob tensão. No melhor dos casos, mostra uma  aspiração, não um fato real.

P: No Rigveda se faz menção á Adhi Ioga, a Ioga Primordial, consistindo na união de pragna com Prana, a qual, como eu entendo, significa a união da sabedoria com a vida. Você diria que também significa a união de Dharma e de Karma, retidão e ação?

M: Sim, desde que por retidão você queira dizer harmonia com sua verdadeira natureza, e por ação, apenas uma ação desinteressada e altruísta.

Na Adhi Ioga, a própria vida é o Guru, e a mente, o discípulo. A mente cuida da vida, não a dita. A vida flui de forma natural e sem esforço e a mente remove os obstáculos a seu suave fluir.

P: A vida não é por sua própria natureza repetitiva? Não seguir a vida conduzirá à estagnação?

M: Por si mesma, a vida é imensamente criativa. Uma semente, no seu devido tempo, transforma-se numa floresta. A mente é como um guarda florestal, protegendo e regulando o imenso impulso vital da existência.

P: Visto como o serviço da vida à mente, a Adhi yoga é uma democracia perfeita. Todos estão engajados em viver a vida em sua melhor capacidade e conhecimento, todos são discípulos do mesmo Guru.

M: Você pode falar dessa forma. Pode ser que seja, potencialmente. Mas, a menos que a vida seja amada e respeitada, seguida com ímpeto e entusiasmo, seria fantasioso falar de Ioga, a qual é um movimento na consciência, a Consciência em ação.

P: Uma vez, nas montanhas, observei um riacho fluindo entre as pedras. Em cada pedra, o vórtice era diferente e de acordo com a forma e o tamanho de cada uma. Toda pessoa não é um mero vórtice sobre um corpo, enquanto a vida é uma e eterna?

M: O vórtice e a água não estão separados. É a perturbação que o torna consciente da água. A consciência é sempre do movimento, da mudança. Não pode haver nenhuma consciência do imutável. A imutabilidade apaga a consciência imediatamente. Um homem privado de sensações externas e internas torna-se vazio ou vai além da consciência e da inconsciência, para dentro do estado sem nascimento e sem morte. Apenas quando o espírito e a matéria se unem, nasce a consciência.

P: Eles são um ou dois?

M: Depende das palavras que você usa: eles são um, ou dois, ou três. Ao investigar, os três se convertem em dois e os dois em um. Tome a comparação da 
face–espelho–imagem. Cada par pressupõe o terceiro, que os une. Na disciplina, você vê os três como dois, até que você perceba os dois como uma unidade.

Enquanto estiver absorvido no mundo, você será incapaz de conhecer-se; para conhecer a si mesmo, afaste a atenção do mundo e volte-a para dentro.

P: Não posso destruir o mundo.

M: Não há necessidade. Apenas entenda que o que você vê não é o que é. As aparências serão dissolvidas ao serem investigadas, e a realidade subjacente virá à superfície. Você não necessita queimar a casa para sair dela. Simplesmente saia dela. Só quando não puder ir e vir livremente, a casa se tornará uma prisão. Eu me movo para dentro e para fora da consciência de forma fácil e natural e, portanto, para mim, o mundo é um lar, não uma prisão.

P: Mas, afinal de contas, há ou não um mundo?

M: O que você vê é apenas seu ser. Chame-o como quiser, não muda o fato. Através do filme do destino, sua própria luz projeta imagens sobre a tela. Você é o espectador, a luz, o filme e a tela. Mesmo o filme do destino (prarabdha) é selecionado e imposto por você mesmo. O espírito é um atleta que aprecia superar obstáculos. Quanto mais dura a tarefa, mais ampla e profunda é sua autorrealização.








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