Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A liberdade da auto-identificação










"Maharaj: Você pode sentar no chão? Precisa de uma almofada? Tem qualquer pergunta a fazer? Não é que você necessite perguntar, você pode também ficar quieto. Ser, só ser, é importante. Você não precisa perguntar, nem fazer nada. Tal modo aparentemente preguiçoso de passar o tempo é altamente considerado na Índia. Significa que, no momento, você está livre da obsessão do “e agora?”. Quando você não tem pressa e a mente está livre da ansiedade, ela se torna tranqüila e, no silêncio, algo pode ser ouvido, o qual é ordinariamente muito tênue e sutil para ser percebido. A mente deve estar aberta e serena para ver. O que estamos tentando fazer aqui é trazer nossas mentes para dentro do estado adequado ao entendimento do que é real.

P: Como podemos reduzir nossas preocupações?

M: Você não necessita preocupar-se com suas preocupações. Apenas seja. Não tente estar tranqüilo; não faça do “estar tranqüilo” uma tarefa a ser realizada. Não se inquiete a respeito de “estar tranqüilo”, angustiado por “ser feliz”. Simplesmente, seja consciente de que você é, e permaneça consciente – não diga “sim, eu sou; e agora?” Não há um “e agora?” no “eu sou”. É um estado eterno.

P: Se for um estado eterno, ele se expressará de qualquer modo.

M: Você é o que é, eternamente, mas de que lhe serve isto a menos que você o conheça e saiba agir de acordo? Sua tigela de mendigo pode ser de puro ouro, mas, enquanto você não souber disto, será um miserável. Você deve conhecer seu valor interno e confiar nele, e expressá-lo no diário sacrifício do desejo e do medo.

P: Se eu me conhecesse, não deveria desejar ou temer?

M: Durante algum tempo, os hábitos mentais podem demorar-se apesar da nova visão – o hábito de desejar o passado conhecido e temer o futuro desconhecido. Quando você souber que estes só pertencem à mente, poderá ir além deles. Enquanto tiver todo o tipo de idéia sobre si mesmo, conhecer-se-á através da névoa destas idéias; para conhecer-se tal com é, abandone todas as idéias. Não pode imaginar o sabor da água pura, só pode descobri-lo abandonando todos os sabores.

Enquanto estiver interessado em seu modo atual de vida, você não o abandonará. O descobrimento não poderá vir, enquanto você estiver aderido ao familiar. Só quando você compreender plenamente a imensa aflição de sua vida, e se rebelar contra ela, poderá encontrar a saída.

P: Posso ver agora que o segredo da vida eterna da Índia está nestas dimensões da existência das quais a Índia sempre teve a custódia.

M: É um segredo aberto e sempre houve pessoas querendo, e dispostas a distribuí-lo. Mestres, há muitos; discípulos corajosos, muito poucos.

P: Estou desejoso de aprender.

M: Aprender palavras não é o bastante. Você pode conhecer a teoria, mas sem a experiência real de si mesmo como o impessoal e não qualificado centro de ser, amor e bem-aventurança, o mero conhecimento verbal será estéril.

P: Então, o que faço?

M: Tente ser, apenas ser. A palavra mais importante é “tentar”. Destine tempo suficiente a cada dia para sentar-se quietamente e tentar, apenas tentar, ir além da personalidade com seus vícios e obsessões. Não pergunte como, não pode ser explicado. Siga tentando até ser bem sucedido. Se perseverar, não poderá haver fracasso. O que interessa no grau máximo é a sinceridade, a seriedade; deve estar farto de ser a pessoa que é, e ver a urgente necessidade de libertar-se desta desnecessária auto-identificação com um punhado de recordações e hábitos. Esta firme resistência contra o desnecessário é o segredo do êxito.

No final das contas, você é o que é a cada momento de sua vida, mas nunca é consciente disto, exceto, talvez, no momento de acordar do sono. Tudo quanto necessita é ser consciente do ser, não como uma afirmação verbal, mas como um fato sempre presente. A Consciência que você é abrirá os seus olhos para o que você é. É tudo muito simples. Em primeiro lugar, estabeleça um contato constante consigo mesmo, esteja consigo mesmo todo o tempo. Todas as bênçãos fluem da Consciência. Comece como um centro de observação, de conhecimento deliberado, e torne-se um centro de amor em ação. “Eu sou” é uma pequena semente que se tornará uma poderosa árvore – de forma totalmente natural, sem um traço de esforço.

P: Vejo tanto mal em mim mesmo. Não devo mudar isto?

M: O mal é a sombra da falta de atenção. Na luz da Consciência, ele secará e cairá.

Toda dependência de outro é fútil, pois o que os outros podem dar, outros levarão. Apenas o que é seu no princípio permanecerá seu ao final. Não aceite orientação exceto de dentro e, mesmo então, examine bem todas as lembranças, pois elas o enganarão. Mesmo que desconheça os caminhos e os meios, fique quieto e olhe para dentro de si mesmo; a orientação, seguramente, virá. Você nunca é deixado sem conhecer que próximo passo deverá dar. O problema é que você pode evitá-lo. O Guru está aí para dar-lhe coragem, devido à sua experiência e realização. Mas só aquilo que você descobre através de sua própria Consciência, seu próprio esforço, será de uso permanente para você.

Lembre-se, nada do que você percebe é seu. Nada de valor vem a você do exterior; apenas seu próprio sentimento e entendimento são relevantes e reveladores. Palavras ouvidas, ou lidas, apenas criarão imagens em sua mente, mas você não é uma imagem mental. Você é o poder da percepção e da ação por trás e além da imagem.

P: Parece que você me aconselha a centrar-me em mim mesmo ao ponto do egoísmo. Não devo render-me a meu interesse pelas outras pessoas?

M: Seu interesse nos outros é egoísta, em interesse próprio, orientado para si mesmo. Você não está interessado nos outros como pessoas, mas só na medida em que eles enriquecem ou enobrecem sua própria imagem de si mesmo. E o maior egoísmo é cuidar apenas da proteção, preservação e multiplicação do próprio corpo. Por corpo quero dizer tudo o que está relacionado com seu nome e forma – sua família, tribo, país, raça, etc. O egoísmo é estar apegado à forma e ao nome. Um homem que sabe que não é nem corpo nem mente não pode ser egoísta, pois não tem nada por que ser egoísta. Ou, você pode dizer que é igualmente “egoísta” em benefício de todos aqueles que encontra; o bem-estar de todos é o seu bem-estar. O sentimento “eu sou o mundo, o mundo sou eu mesmo” torna-se totalmente natural; uma vez que isto esteja estabelecido, não haverá modo de ser egoísta. Ser egoísta significa invejar, adquirir, acumular em benefício da parte e contra o todo.

P: Pode-se ser rico e com muitas posses por herança ou matrimônio, ou simplesmente boa sorte.

M: Se você não se aferrar a elas, serão levadas de você.

P: Em seu estado presente, pode amar outra pessoa como pessoa?

M: Eu sou a outra pessoa, a outra pessoa sou eu mesmo; em nome e forma somos diferentes, mas não há separação. Na raiz de nosso ser, nós somos um.

P: Não é assim toda vez que há amor entre pessoas?

M: É, mas não são conscientes disto. Elas sentem a atração, mas não conhecem a razão.

P: Por que o amor é seletivo?

M: O amor não é seletivo, o desejo é seletivo. No amor não há estranhos. Quando o centro do egoísmo não existe mais, todos os desejos de prazer e temor da dor cessam; não se está mais interessado em ser feliz; além da felicidade está a pura intensidade, a energia inesgotável, o êxtase de dar de uma fonte perene.

P: Não devo começar resolvendo por mim mesmo o problema do certo e do errado?

M: O que é agradável, as pessoas tomam por bom, e o que é doloroso é tido por mau.

P: Sim, é assim, para nós, pessoas comuns. Mas como é para você, no nível da unidade? O que é bom e o que é mau para você?

M: O que aumenta o sofrimento é mau e o que o remove é bom.

P: De modo que você não considera bom o sofrimento em si mesmo. Há religiões em que o sofrimento é considerado bom e nobre.

M: O karma, ou destino, é a expressão de uma lei benéfica; o universal tende ao equilíbrio, à harmonia e à unidade. A cada momento, aquilo que acontece agora é no sentido do melhor. Pode parecer doloroso ou feio, um sofrimento amargo e sem sentido, mesmo assim, considerando o passado e o futuro, é para melhor, a única saída de uma situação desastrosa.

P: Sofre-se apenas pelos próprios pecados?

M: Sofre-se junto com o que se acredita ser. Se você se sentir um com a humanidade, você sofrerá com ela.

P: E, posto que você pretende ser um com o universo, não há limite no tempo e no espaço para seu sofrimento!

M: Ser é sofrer. Quanto mais estreito for o círculo de minha auto-identificação, mais agudo o sofrimento causado pelo desejo e pelo medo.

P: O Cristianismo aceita o sofrimento como purificador e enobrecedor, enquanto o Hinduísmo o olha com desgosto.

M: O Cristianismo é uma maneira de juntar palavras e o Hinduísmo é outra. O real é, por trás e além das palavras, incomunicável, diretamente experimentado, explosivo em seus efeitos sobre a mente. É facilmente obtido quando não se quer nada mais. O irreal é criado pela imaginação e perpetuado pelo desejo.

P: Pode haver sofrimento que seja necessário e bom?

M: A dor acidental, ou casual, é inevitável e transitória; a dor deliberada, infligida inclusive com a melhor das intenções, é absurda e cruel.

P: Você não castigaria o crime?

M: A punição não é senão crime legalizado. Na sociedade construída sobre a prevenção em vez da retaliação, haveria poucos delitos. As poucas exceções seriam tratadas medicamente, como mente e corpo enfermos.

P: Parece que você tem pouco emprego para a religião.

M: O que é a religião? Uma nuvem no céu. Eu vivo no céu, não nas nuvens, as quais são muitas palavras unidas. Elimine a verbosidade e o que permanece? A verdade permanece. Meu lar está no imutável, o qual parece ser o estado de constante reconciliação e integração dos opostos. As pessoas vêm aqui para aprender sobre a existência real de tal estado, sobre os obstáculos a seu surgimento e, uma vez percebido, sobre a arte de estabelecê-lo na consciência, de modo que não haja choque entre o entendimento e o viver. O próprio estado está além da mente e não é necessário aprendê-lo. A mente pode apenas focar os obstáculos; ver um obstáculo como obstáculo é eficaz, porque é a ação da mente sobre a mente. Comece do início; dê atenção ao fato de que você é. Em nenhum momento você pode dizer “eu não fui”, tudo o que pode dizer é: “Não recordo”. Você sabe quão incerta é a memória. Aceite que, preocupado com mesquinhos assuntos pessoais, esqueceu o que é; trate de recuperar a memória perdida mediante a eliminação do conhecido. Não se pode falar a você sobre o que vai acontecer, nem tampouco é desejável; a antecipação criará ilusões. Na busca interior, o inesperado é inevitável; o descobrimento está invariavelmente além de toda a imaginação. Do mesmo modo que uma criança ainda não nascida não pode conhecer a vida depois do nascimento, pois não tem em sua mente nada para formar uma imagem válida, assim também a mente é incapaz de pensar no real em termos de irreal exceto mediante a negação: “Isto não, aquilo não”. A aceitação do irreal como real é o obstáculo; ver o falso como falso, e abandoná-lo, traz a realidade para dentro do ser. Os estados de total claridade, amor imenso, coragem completa, são meras palavras no momento, perfis sem cor, sinais do que pode ser. Você é como um homem cego esperando ver depois de uma operação – desde que você não a evite! No estado em que estou, as palavras não interessam de forma alguma. Nem há qualquer dependência delas. Só importam os fatos.

P: Não pode haver nenhuma religião sem palavras.

M: As religiões documentadas são meros montes de verbosidade. As religiões mostram seu verdadeiro rosto na ação, na ação silenciosa. Para saber no que o homem acredita, observe como ele age. Para a maioria das pessoas, o serviço a seus corpos e mentes é sua religião. Podem ter idéias religiosas, mas não agem de acordo com elas. Brincam com elas, muitas vezes sentem-se muito orgulhosas delas, mas não agirão de acordo com elas.

P: As palavras são necessárias para a comunicação.

M: Para a troca de informações, sim. Mas a comunicação real entre as pessoas não é verbal. Para estabelecer e manter uma relação afetuosa, requer-se uma Consciência expressa na ação direta. Não o que você diz, mas o que faz é que importa. As palavras são fabricadas pela mente e só são significativas no nível mental. Não pode comer nem viver da palavra “pão” que, meramente, comunica uma idéia. Ela adquire significado apenas com a refeição real. No mesmo sentido, estou lhe falando que o Estado Normal não é verbal. Posso dizer que é o amor sábio expresso na ação, mas estas palavras transmitem pouco, a menos que você as experimente em toda sua plenitude e beleza.

As palavras têm sua utilidade limitada, mas não pôr nenhum limite a elas nos leva à beira do desastre. Nossas nobres idéias estão elegantemente equilibradas por ações desprezíveis. Nós falamos de Deus, Verdade e Amor, mas, em lugar de experiências diretas, nós temos definições. Em vez de aumentar e aprofundar a ação, nós cinzelamos nossas definições. E imaginamos que conhecemos o que podemos definir!

P: Como se pode transmitir a experiência senão por palavras?

M: A experiência não pode ser transmitida através de palavras. Vem com a ação. Um homem cuja experiência é intensa irradiará confiança e coragem. Outros também agirão, e ganharão a experiência nascida da ação. O ensinamento verbal tem sua utilidade, prepara a mente para esvaziar-se de suas acumulações.

Um nível de maturidade mental é alcançado quando nada externo é de algum valor e o coração está pronto para abandonar tudo. Então o real tem uma oportunidade e a aproveita. Os atrasos – se houver algum – são causados pela mente que se recusa a ver ou a descartar.

P: Estamos tão totalmente sós?

M: Oh, não! Não estamos. Aqueles que têm podem dar. E tais doadores são muitos. O próprio mundo é um presente supremo, mantido por um amoroso sacrifício. Mas, os adequados receptores, sábios e humildes, são poucos. “Pedi e será dado” é a lei eterna.

Tantas palavras você tem aprendido, tantas você tem dito. Você conhece tudo, mas não a si mesmo. Porque o ser não é conhecido através de palavras – apenas a percepção direta o revelará. Olhe dentro de si mesmo, busque no interior.

P: É muito difícil abandonar as palavras. Nossa vida mental é uma corrente contínua de palavras.

M: Não é questão de fácil ou difícil. Você não tem alternativa. Ou você tenta, ou não. Depende de você.

P: Tentei muitas vezes e fracassei.

M: Tente novamente. Se continuar tentando, alguma coisa poderá acontecer. Mas se você não tentar, estará preso. Você pode conhecer todas as palavras adequadas, citar as escrituras e ser brilhante em suas discussões e, mesmo assim, continuar sendo um saco de ossos. Ou pode ser discreto e humilde, uma pessoa totalmente insignificante, todavia resplandecente de amorosa bondade e profunda sabedoria."


De: "Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj"




sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A Experiência Não é a Coisa Real







Maharaj: O buscador é aquele que está em busca de si mesmo. Logo ele descobre que seu próprio corpo não pode ser ele. Uma vez que a convicção ‘Eu não sou o corpo’ tenha se tornado tão bem enraizada que ele não pode mais sentir, pensar e atuar por e em benefício do corpo, facilmente descobrirá que ele é o ser universal, conhecendo – e agindo em consequência – que nele e através dele o universo inteiro é real, consciente e ativo. Este é o âmago do problema; ou você é consciente do corpo e escravo das circunstâncias, ou você é a própria consciência universal – e em pleno controle de cada fato.
Ainda assim, a consciência, individual e universal, não é meu verdadeiro lar; não estou nela, ela não é minha, não há nenhum ‘eu’ nela. Estou além, embora não seja facilmente explicado como alguém pode ser nem consciente, nem inconsciente, mas exatamente além. Eu não posso dizer que estou em Deus ou que eu sou Deus; Deus é a luz e o amor universais, a testemunha universal; eu estou além inclusive do universal.
Pergunta: Neste caso você é sem nome e forma. Que tipo de ser você tem?
M: Sou o que sou, nem com forma nem sem forma, nem consciente nem inconsciente. Estou fora de todas estas categorias.
P: Você está empregando a abordagem do neti-neti (não isto, não aquilo). 
M: Você não pode encontrar-me pela mera negação. Eu sou tanto tudo quanto nada; nem ambos, nem nenhum. Estas definições se aplicam ao Senhor do Universo, não a mim.
P: Você pretende transmitir que você é exatamente nada.
M: Oh, não! Sou completo e perfeito. Sou a existência do ser, a sabedoria do saber, a plenitude da felicidade. Você não pode me reduzir ao vazio!P: Se você está além das palavras, sobre o que deveremos falar? Falando metafisicamente, o que você diz se mantém coeso, não há nenhuma contradição interna. Mas não há nenhum alimento para mim no que você diz. Está completamente além de minhas necessidades urgentes. Quando peço pão, você me dá joias. São bonitas, sem dúvida, mas eu estou faminto. 

M: Não é assim. Estou oferecendo a você exatamente o que você necessita – o despertar. Você não está faminto e não precisa de pão. Você necessita de cessação, renúncia, desembaraço. O que você acredita necessitar não é o que você necessita. Eu conheço sua necessidade real, você não. Você necessita retornar ao estado no qual eu estou – seu estado natural. Qualquer outra coisa que você possa pensar é uma ilusão e um obstáculo. Acredite em mim, você não necessita nada exceto ser o que é. Você imagina que aumentará seu valor pela aquisição. É como o ouro imaginando que uma adição de cobre o melhorará. A eliminação e a purificação, a renúncia de tudo o que é estranho à sua natureza é o bastante. Tudo mais é vaidade.

P: É mais fácil dizer que fazer. Um homem vem a você com uma dor de estômago e você o aconselha a vomitar seu estômago. Certamente, não haverá problema nenhum sem a mente. Mas a mente existe – de forma muito tangível.
M: É a mente que lhe diz que a mente existe. Não se deixe enganar.  Todos os infindáveis argumentos sobre a mente são produzidos pela própria mente, para sua própria proteção, continuação e expansão. É a rejeição a considerar os espasmos e convulsões da mente que pode levá-lo além dela. 

P: Senhor, eu sou um humilde buscador, enquanto você é a própria Realidade Suprema. Agora o buscador se aproxima do Supremo para ser iluminado. O que o Supremo faz?
M: Escute o que continuo lhe falando e não se afaste disto. Pense nisto todo o tempo e em nada mais. Tendo chegado a este ponto, abandone todos os pensamentos, não apenas do mundo, mas de você mesmo também. Permaneça além de todo pensamento, na silenciosa Consciência do ser. Isto não é progresso, pois o que vem já está em você, esperando por você.
P: Assim você diz que devo tentar a parada do pensamento e permanecer firme na ideia ‘Eu sou’. 

M: Sim, e esvazie de todo significado qualquer pensamento que venha a você em conexão com o ‘Eu sou’, e não lhes dê atenção.
 
P: Acontece que eu encontrei muitos jovens que vieram do Ocidente e percebo que há uma diferença básica quando os comparo aos indianos. Parece como se suas psiques (antahkarana) fossem diferentes. Conceitos como o Eu, Realidade, mente pura, consciência universal são compreendidos facilmente pela mente indiana.  Eles soam familiares, têm sabor doce. A mente ocidental não responde, ou apenas os rejeita. Ela os concretiza e deseja para o emprego imediato a serviço dos valores aceitos. Estes valores são frequentemente pessoais: saúde, bem-estar, prosperidade; algumas vezes são sociais – uma sociedade melhor, uma vida mais feliz para todos; todos estão conectados com os problemas mundanos, pessoais ou impessoais. Outra dificuldade com a qual nos defrontamos frequentemente nas conversas com ocidentais é que, para eles, tudo é experiência – do mesmo modo que eles querem experimentar o alimento, a bebida e as mulheres, a arte e as viagens, assim eles desejam experimentar a Ioga, a realização e a liberação. Para eles é como outra experiência, a ser obtida por um preço. Eles imaginam que tais experiências possam ser compradas e pechincham sobre o preço. Quando um Guru põe o preço muito alto, em termos de tempo e esforço, eles vão para outro que ofereça pagamentos a prazo, aparentemente mais acessíveis, mas cercados de condições que não possam ser cumpridas. É a velha história de não pensar em um macaco cinza quando tomar o remédio! Neste caso, são coisas como não pensar no mundo, ‘abandonar toda proteção’, ‘extinguir todo desejo’, ‘tornar-se perfeitamente celibatário’, etc. Naturalmente, há um enorme engano em todos os níveis, e os resultados são nulos. Alguns Gurus, em aguda desesperação, abandonam toda disciplina, não prescrevem condições, aconselham o não esforço, a naturalidade, a viver simplesmente em uma Consciência passiva, sem qualquer padrão de ‘deve’ ou ‘não deve’. E há muitos discípulos cujas experiências passadas os levaram ao desgosto de si mesmos de tal maneira que, simplesmente, eles não querem olhar para eles mesmos. Se não estiverem enojados, estarão entediados. Estão fartos do autoconhecimento, querem alguma outra coisa. 

M: Permita-lhes que não pensem neles mesmos, se não lhes agrada. Deixe-os que estejam com um Guru, que o observem, que pensem nele. Logo experimentarão um tipo de felicidade, totalmente nova, nunca experimentada antes, exceto, talvez, na infância. A experiência é tão inconfundivelmente nova que atrairá sua atenção e criará interesse; uma vez despertado o interesse, ordenadamente a aplicação se seguirá.

P: Estas pessoas são muito críticas e desconfiadas. Não podem ser de outra forma, tendo passado por tanto aprendizado e tantas decepções. Por um lado elas querem a experiência, pelo outro desconfiam dela. Só Deus sabe como chegar a elas!

M: A verdadeira compreensão e amor as alcançarão. 

P: Quando elas têm alguma experiência espiritual, surge outra dificuldade. Elas se queixam de que a experiência não dura, que vem e vai de modo aleatório. Tendo agarrado o pirulito, querem sugá-lo todo o tempo. 
M: A experiência, por sublime que seja, não é a coisa real. Por natureza, ela vem e vai. A autorrealização não é uma aquisição. É mais da natureza do entendimento. Uma vez alcançada, não pode ser perdida. Por outro lado, a consciência varia, é fluida e sofre transformação de momento a momento. Não se aferre à consciência e a seu conteúdo. A consciência retida cessa. Tentar a perpetuação de um momento de discernimento ou de uma explosão de felicidade é destruir o que se quer preservar. O que vem deve ir. O permanente está além de todas as idas e vindas. Vá à raiz de toda experiência, para o sentido de ser. Além do ser e do não ser está a imensidade do real. Tente-o repetidamente.
P: Para tentar, é necessário fé.
M: Primeiro deve existir o desejo. Quando o desejo for forte, a disposição para tentar virá. Você não precisa da garantia do sucesso quando o desejo for forte. Você está pronto para apostar.
P: Desejo forte, fé forte – vêm a ser o mesmo. Estas pessoas não confiam nem em seus pais ou na sociedade, nem sequer nelas mesmas. Tudo o que elas tocaram se transformou em cinzas. Dê-lhes uma experiência genuína, indubitável, além da argumentação da mente, e elas o seguirão até o fim do mundo. 

M: Mas não estou fazendo outra coisa! Incansavelmente levo sua atenção ao fator incontestável – o do ser. O ser não precisa de provas – ele prova todas as outras coisas. Se eles apenas se aprofundarem no fato de ser e descobrirem a vastidão e a glória das quais o ‘Eu sou’ é a porta, cruzando-a e indo além, suas vidas serão cheias de felicidade e de luz. Acredite em mim, o esforço necessário não é nada comparado com as descobertas a que se chega. 

P: O que você diz está certo. Mas estas pessoas não têm nem confiança nem paciência. Mesmo um pequeno esforço cansa-as. É realmente patético vê-las tateando cegamente e, ainda assim, incapazes de agarrarem a mão que as ajuda. Basicamente são boas pessoas, mas estão totalmente desnorteadas. Eu lhes falo: Vocês não podem ter a verdade em seus próprios termos. Devem aceitar as condições. A isto respondem: Alguns aceitarão as condições e outros não. A aceitação e a não aceitação são superficiais e acidentais; a realidade está em tudo; deve haver um caminho que todos possam seguir – sem condições agregadas.

M: Existe tal caminho, aberto a todos, em cada nível, em cada modo de vida. Todos são conscientes de si mesmos.  O aprofundamento e a ampliação da autoconsciência – é o caminho real. Chame-o plena ciência, ou testemunhar, ou apenas atenção – é para todos. Ninguém é imaturo para ele e ninguém pode fracassar.
Mas, certamente, você não deve estar meramente alerta. Sua atenção deve incluir a mente também. Testemunhar é antes de tudo Consciência da consciência e de seus movimentos.






domingo, 19 de agosto de 2012

Na Autoconsciência, você aprende sobre Si Mesmo











Pergunta: É nossa experiência repetida que os discípulos causam muito dano a seus Gurus. Eles fazem planos e os realizam sem considerar a vontade do Guru. No final, há apenas preocupação infindável para o Guru e amargura para seus discípulos. 

Maharaj: Sim, isto acontece.
P: O que obriga o Guru a submeter-se a estas indignidades?
M: O Guru basicamente não tem desejos. Ele vê o que acontece, mas não sente a compulsão de interferir. Ele não faz escolhas, não toma decisões. Como pura testemunha, observa o que acontece e permanece não afetado.
P: Mas seu trabalho sofre.
M: No final, a vitória é sempre dele. Ele sabe que se seus discípulos não aprenderem de suas palavras, aprenderão de seus próprios erros. Internamente, ele permanece quieto e silencioso. Ele não tem o sentido de ser uma pessoa separada. Todo universo é dele, incluindo seus discípulos com seus planos mesquinhos. Nada em particular o afeta ou, o que vem a ser o mesmo, todo o universo o afeta em igual medida.
P: Não existe a graça do Guru?
M: Sua graça é constante e universal. Não é dada a um e negada a outro.
P: Como ela me afeta pessoalmente?
M: É pela graça do Guru que sua mente está engajada na busca da verdade, e é pela sua graça que você a achará. A graça trabalha invariavelmente em direção ao bem final. E é para todos.
P: Alguns discípulos estão prontos, maduros, e outros não. O Guru não deve escolher e tomar decisões?
M: O Guru conhece o Supremo e, incansavelmente, empurra o discípulo em direção a ele. O discípulo está cheio de obstáculos, os quais ele deve superar. O Guru não está muito interessado nas superficialidades da vida do discípulo. É como a gravitação. A fruta deve cair –quando não mais é retida.
P: Se o discípulo não conhece a meta, como pode perceber os obstáculos?
M: A meta é mostrada pelo Guru, os obstáculos são descobertos pelo discípulo. O Guru não tem preferências, mas aqueles que têm obstáculos a superar parecem ficar para trás.
   Na realidade, o discípulo não é diferente do Guru. É o mesmo centro sem dimensão de percepção e amor em ação. É apenas sua imaginação e autoidentificação com o imaginado o que o confina e o converte em uma pessoa. O Guru está pouco interessado na pessoa. Sua atenção está no observador interior. É tarefa do observador entender e, através disto, eliminar a pessoa. Enquanto há graça por um lado, deve existir dedicação à tarefa pelo outro.
P: Mas a pessoa não quer ser eliminada.
M: A pessoa é meramente o resultado de um mal-entendido. Na realidade, não existe tal coisa. Sentimentos, pensamentos e ações correm ante o observador em uma sucessão sem fim, deixando traços no cérebro e criando uma ilusão de continuidade. Uma reflexão do observador na mente cria o sentido de ‘Eu’ e a pessoa adquire uma existência aparentemente independente. Na realidade não há nenhuma pessoa, apenas o observador identificando-se com o ‘Eu’ e o ‘meu’. O mestre diz ao observador: você não é isto, não há nada seu nisto, exceto o pequeno ponto do ‘Eu sou’, o qual é a ponte entre o observador e seu sonho. ‘Eu sou isto, eu sou aquilo’ é sonho, enquanto o puro ‘Eu sou’ tem a marca da realidade nele. Você experimentou tantas coisas – tudo deu em nada. Só o sentido ‘Eu sou’ persistiu – inalterado. Permaneça com o imutável entre o mutável, até ser capaz de ir além.
P: Quando isto acontecerá?
M: Acontecerá assim que você remover os obstáculos.
P: Quais obstáculos?
M: O desejo do falso e o temor do verdadeiro. Você, como a pessoa, imagina que o Guru está interessado em você como uma pessoa. Não, de forma alguma. Para ele você é uma perturbação e um obstáculo a ser eliminado. Ele realmente visa sua eliminação como um fator na consciência.
P: Se eu sou eliminado, o que permanece?
M: Nada permanecerá, tudo permanecerá. O sentido de identidade permanecerá, mas não mais a identificação com um corpo particular. O ser – Consciência – amor brilhará em pleno esplendor. A libertação nunca acontece para o personagem; a liberação é sempre do personagem.
P: E não permanece nenhum traço da pessoa?
M: Uma vaga memória permanece, como a memória de um sonho ou da primeira infância. Depois de tudo, o que há para lembrar? Um fluir de eventos, principalmente acidentais e sem significado. Uma seqüência de desejos e medos, e asneiras fúteis. Há qualquer coisa digna de lembrar? A pessoa é apenas uma casca que o aprisiona. Quebre a casca.
P: A quem você pede para quebrar a casca? Quem quebrará a casca?
M: Quebre os laços da memória e da autoidentificação e a casca quebrará por si mesma. Há um centro que transmite realidade a tudo que percebe. Tudo o que você necessita é entender que você é a fonte da realidade, que você dá realidade em vez de obtê-la, que você não necessita de nenhum apoio e nenhuma confirmação. As coisas são como são porque você as aceita como elas são. Pare de aceitá-las, e se dissolverão. Tudo quanto pensa com desejo ou temor aparece diante de você como real. Olhe-o sem desejo ou medo, e ele perderá substância. O prazer e a dor são momentâneos. É mais simples e mais fácil menosprezá-los que agir de acordo com eles.
P: Se todas as coisas acabam, porque aparecem de qualquer modo?
M: A criação está na própria natureza da consciência. A consciência causa as aparências. A realidade está além da consciência.
   P: Enquanto nós somos conscientes das aparências, como não somos conscientes de que essas são meras aparências?
M: A mente encobre totalmente a realidade sem conhecê-la. Para conhecer a natureza da mente você necessita de inteligência, a capacidade de olhar para a mente com uma Consciência silenciosa e imparcial.
P: Se eu sou da natureza da consciência onipenetrante, como podem acontecer-me a ignorância e a ilusão?
M: Nem ignorância nem ilusão aconteceram para você. Descubra o eu ao qual você atribui a ignorância e a ilusão, e sua pergunta será respondida. Você fala como se conhecesse o eu e o visse sob o poder da ignorância e da ilusão. Mas, de fato, você não conhece o eu, nem é consciente da ignorância. Certamente, torne-se consciente – isto o levará para o eu e a compreender que não há nem ignorância nem ilusão nele. É como dizer: se há sol, como pode haver escuridão? Como haverá escuridão debaixo de uma pedra, quão forte seja a luz do sol, assim, na sombra da consciência ‘Eu sou o corpo’, deverão existir ignorância e ilusão.
P: Mas por que veio a existir a consciência corporal?
M: Não pergunte ‘por que’, pergunte ‘como’. Está na natureza da imaginação criativa identificar-se com suas criações. Você pode pará-la a qualquer momento ao desligá-la da atenção. Ou através da investigação.
P: A criação vem antes da investigação?
M: Primeiro você cria um mundo, então o ‘Eu sou’ torna-se uma pessoa que não é feliz por várias razões. Ele sai em busca da felicidade, encontra um Guru que lhe diz: ‘Você não é uma pessoa, descubra quem você é’. Ele faz isto e vai além.
P: Por que ele não o fez no princípio?
M: Não lhe ocorreu. Necessitou que alguém lhe falasse.
P: Isto foi suficiente?
M: Foi suficiente.
P: Por que não funciona no meu caso?
M: Você não confia em mim.
 P: Por que a minha fé é fraca?
M: Os desejos e temores embotaram sua mente. Ela necessita de uma limpeza.
P: Como posso limpar minha mente?
M: Observando-a implacavelmente. A desatenção obscurece, a atenção esclarece.
P: Por que os mestres indianos defendem a inatividade?
M: Muitas das atividades das pessoas não têm valor, se não forem claramente destrutivas. Dominadas pelo desejo e pelo medo, não podem fazer nada bom. Cessar de fazer o mal precede o começo de fazer o bem. Daí a necessidade de parar todas as atividades por um tempo, para investigar os seus impulsos e seus motivos, para ver tudo o que é falso em sua própria vida, para purificar a mente de todo mal, e só então recomeçar o trabalho, começando com seus deveres óbvios. Certamente, se você tiver uma oportunidade de ajudar alguém, sem dúvida, faça isto prontamente também, não o mantenha esperando até que você seja perfeito. Mas não se torne um benfeitor profissional.
P: Não me parece que haja muitos benfeitores entre os discípulos. A maioria dos que encontrei está bastante absorvida em seus próprios conflitos mesquinhos. Não têm coração para os demais.
 
M: Tal egocentrismo é temporário. Seja paciente com tais pessoas. Por muitos anos, eles deram atenção a tudo exceto a si mesmas.  Permita que se voltem para si mesmas, para uma mudança.
P: Quais são os frutos da autoconsciência?
M: Você fica mais inteligente. Na Consciência você aprende. Na autoconsciência você aprende sobre si mesmo. Certamente, você pode apenas aprender o que você não é. Para conhecer o que é, você deve ir além da mente.
P: A Consciência não está além da mente?
M: A Consciência é o ponto no qual a mente se expande além de si mesma para a realidade. Na Consciência você não busca o agradável, mas o que é verdadeiro.
P: Acho que a Consciência produz um estado de silêncio interior, um estado de vazio psíquico.
M: Está bem no momento, mas não é o suficiente. Você tem sentido a vacuidade universal na qual o universo flutua como uma nuvem no céu azul?
P: Senhor, deixe-me primeiro conhecer bem meu próprio espaço interior.
M: Destrua o muro que separa, a ideia ‘eu sou o corpo’, e interno e externo tornar-se-ão um.
P: Devo morrer?
 
M: A destruição física não tem significado. É o apego à vida sensorial que o ata. Se pudesse experimentar inteiramente o vazio interior, a explosão para a totalidade estaria próxima.
P: Minha própria experiência espiritual tem suas estações.  Algumas vezes me sinto glorioso e então, novamente, afundo. Sou como o ascensorista – subindo, descendo, subindo, descendo.
 M: Todas as mudanças na consciência são devidas à ideia ‘Eu sou o corpo’. Despida desta ideia, a mente torna-se estável. Há puro ser, livre de experienciar qualquer coisa em particular. Mas, para compreendê-lo, você deve fazer o que seu mestre lhe falou. O mero escutar, mesmo memorizando, não é o bastante. Se você não luta duramente para aplicar cada palavra do mestre em sua vida diária, não se queixe de que você não fez nenhum progresso. Todo progresso real é irreversível. Os altos e baixos meramente mostram que o ensinamento não foi levado a sério e traduzido em ação, totalmente.
 
P: Outro dia você nos falou que não há karma.  Mesmo assim, vemos que todas as coisas têm uma causa e a soma total de todas as causas pode ser chamada karma.
M: Enquanto você acreditar que é o corpo, você atribuirá causas a tudo. Eu não digo que as coisas não têm causa. Cada coisa tem inumeráveis causas. É como é, porque o mundo é como ele é. Cada causa, em suas ramificações, cobre o universo.
   Quando você compreender que é absolutamente livre para ser o que você consente ser, que você é o que parece ser devido à ignorância ou à indiferença, então você é livre para se revoltar e mudar. Você se permite ser o que não é. Está em busca das causas do ser que você não é! É uma busca fútil. Não há nenhuma causa, mas sua ignorância de seu ser real, o qual é perfeito e além de toda causação. Seja o que for que aconteça, todo o universo será responsável, e você é a origem do universo.
P: Não sei nada sobre ser a causa do universo.
M: Porque não investiga. Inquira, busque em seu interior e saberá.
P: Como pode uma partícula como eu criar o vasto universo?
M: Quando você está infectado com o vírus ‘Eu sou o corpo’, um universo inteiro aparece no ser. Mas quando você está farto dele, você alimenta algumas ideias fantasiosas sobre liberação e segue linhas de ação totalmente fúteis. Você se concentra, medita, tortura sua mente e seu corpo, faz todo tipo de coisas desnecessárias, mas perde o essencial que é a eliminação da pessoa.

P: No princípio, podemos ter que orar e meditar por algum tempo, antes que estejamos prontos para a autoinvestigação.
M: Se você assim acredita, continue. Para mim, todo atraso é um desperdício de tempo. Você pode omitir toda a preparação e ir diretamente para a busca interior final. De todas as Iogas, esta é a mais simples e a mais curta.





domingo, 22 de julho de 2012

A vida, um sonho vivente










Uma vez que se tenha uma clara apercepção disto, não se pode não entender que a nossa idéia de que ‘vivemos nossas vidas’ é uma brincadeira, pois a idéia de viver nossas vidas é baseada na crença errada de que tudo o que fazemos é um ato de nossa vontade. Quem poderia exercitar esta vontade quando nós justamente agora nos apercebemos que não há nenhuma entidade para exercitá-la? ‘Viver’ em si não é, na realidade, outra coisa que o funcionamento da consciência através de milhões de formas físicas, tomadas erradamente como vida individual.
Maharaj também explica que esta apercepção básica comporta o entendimento de que a vida é apenas um sonho vivente. Neste ponto, deveria estar claro que o que se vê, ouve, experimenta, cheira ou toca é percebido sensorialmente, e que esta percepção é, de fato, simplesmente uma cognição na consciência – na verdade, a entidade cujos sentidos percebem é, em si mesma, meramente uma aparência na consciência de um ‘outro’ que a percebe como um objeto! Assim, os objetos percebidos equivocadamente como entidades na consciência de outro não sendo entidades autônomas, o que realmente acontece é que não há nenhum percebedor como tal, mas apenas o perceber de objetos conceituais movendo-se no espaço conceitual, em uma duração também conceitual. Não são todos estes, claramente, aspectos do sonho que experimentamos quando dormimos? Quando o que sonha acorda, o sonhar termina, e aquele que despertou não está mais interessado nas ‘outras’ entidades do sonho. Similarmente, no sonho vivente, aquele que desperta (que compreende que nada perceptível pelos sentidos, incluindo a ‘entidade’ que pensa ser, pode ser outra coisa a não ser uma mera aparência na consciência) não se ocupa mais das outras imagens do sonho vivente. O desperto compreende que ele é a Absoluta Subjetividade incondicionada na qual o movimento da consciência deu início, espontaneamente, ao sonho da vida, sem causa ou razão aparente, e apenas ‘vive’ distante do sonho até o fim do tempo designado, quando, novamente, a consciência se une, também de forma espontânea, à Subjetividade Absoluta.


De: "Sinais do Absoluto" - Ensinamentos de Sri Nisargadatta Maharaj.    (Ramesh Balsekar)


 

sábado, 21 de julho de 2012

A pseudo-entidade






"Não obstante, para ver claramente como a pseudo-entidade, ou o ego (que se supõe ser a causa e o objeto da suposta escravidão), surge, é necessário entender o processo conceitual da manifestação. O que somos Absolutamente, numenalmente, é unicidade-absoluto-subjetividade sem o mais leve toque de objetividade. A única forma em que isto-que-somos pode se manifestar é através do processo da dualidade, cujo começo é o movimento da consciência, o sentido de ‘eu sou’. Este processo de manifestação-objetivação, que estava totalmente ausente até agora, implica uma divisão em um sujeito que percebe e um objeto que é percebido; conhecedor e conhecido.
O númeno – pura subjetividade – deve permanecer sempre como o único sujeito. Portanto, os supostos conhecedor e conhecido são ambos objetos na consciência. Este é o fator essencial a ser lembrado. É apenas na consciência que este processo pode acontecer. Toda coisa imaginável – todo tipo de fenômeno – que nossos sentidos percebam e nossa mente interprete é uma aparição em nossa consciência. Cada um de nós existe apenas como um objeto, uma aparição na consciência de alguma outra pessoa. O conhecedor e o conhecido são objetos na consciência, mas (e este é o ponto importante no que diz respeito à pseudo-entidade) o que conhece o objeto presume que é o sujeito da cognição de outros objetos, em um mundo externo a si mesmo, e este sujeito que conhece considera sua pseudo-subjetividade como constituinte de uma entidade independente e autônoma – um ‘eu’ – com o poder de ação voluntária!
O princípio da dualidade, que começa com o sentido ‘eu sou’, e sobre o qual está baseada toda a manifestação fenomênica, é levado um passo além quando a pseudo-entidade, em seu papel como o pseudo-sujeito, inicia o processo de raciocínio ao comparar contrapartidas interdependentes e opostas (tais como bom e mau, puro e impuro, mérito e pecado, presença e ausência, grande e pequeno, etc.), e, depois disto, discrimina entre elas. Isto constitui o processo de concepção.
À parte desta divisão de sujeito e objeto, o processo da manifestação fenomênica depende do conceito básico de espaço e tempo. Na ausência do conceito de ‘espaço’, nenhum objeto poderia tornar-se visível com seu volume tridimensional; similarmente, na ausência do conceito relacionado de ‘tempo’, o objeto tridimensional não poderia ser percebido – nem qualquer movimento poderia ser medido – sem a duração necessária para fazer perceptível o objeto. O processo da manifestação fenomênica, portanto, acontece no espaço-tempo conceitual, no qual os objetos tornam-se aparências na consciência, percebidas e conhecidas pela consciência, através de um processo de concepção cuja base é a divisão em um pseudo-sujeito que percebe e um objeto percebido. O resultado da identificação com o elemento que conhece no processo de manifestação é a concepção da pseudopersonalidade com escolha de ação pessoal. E esta é toda a base da ‘escravidão’ ilusória.
Entenda todo o processo da manifestação fenomênica, diz Maharaj, não em partes ou fragmentos, mas em um momento de apercepção. O Absoluto, o númeno é o aspecto não-manifestado, e o fenômeno, o aspecto manifestado do que somos. Eles não são diferentes. Uma símile grosseira seria a substância e a sombra, exceto que o manifestado seria a sombra do não-manifesto sem forma! O númeno Absoluto é atemporal, ilimitado, não perceptível aos sentidos; os fenômenos estão limitados pelo tempo, com formas limitadas e perceptíveis pelos sentidos. Númeno é o que nós somos; fenômenos são que parecemos ser como objetos separados na consciência. A identificação da unicidade (ou o sujeito) que nós somos com a separação em dualidade (ou o objeto) que nós parecemos ser constitui ‘escravidão’, e a desidentificação (desta identificação) constitui ‘liberação’. Mas ‘escravidão’ e ‘liberação’ são ilusórias, pois não existe tal entidade que está na escravidão e que deseja a libertação; a entidade é apenas um conceito que surgiu da identificação da consciência com um objeto visível que é, simplesmente, uma aparição na consciência!"


De: "Sinais do Absoluto" - Ensinamentos de Sri Nisargadatta Maharaj.    (Ramesh Balsekar)







 

A questão do renascimento









Maharaj rejeita de imediato a idéia do renascimento ou reencarnação, e a base de tal rejeição é tão simples que nos esmaga: a entidade que se supõe renascer não existe, exceto como um mero conceito! Como poderia um conceito renascer?
Maharaj, em toda sua inocência, pergunta ao protagonista do renascimento: “Por favor, quero saber quem é este que renasceria?” O corpo ‘morre’ e, depois da morte, é exterminado – enterrado ou cremado – tão rapidamente quanto possível. O corpo, em outras palavras, foi irreparável, irremediável e irrevogavelmente destruído. Aquele corpo, portanto, o qual era uma coisa objetiva, não pode renascer. Como, então, poderia uma coisa não objetiva como a força vital (a respiração), a qual, com a morte do corpo, fundiu-se com o ar exterior, ou a consciência que se fundiu com a Consciência Impessoal, renascer também?
Talvez, diz Maharaj, você dirá que a entidade envolvida renascerá. Mas isto seria totalmente ridículo. Você sabe que a ‘entidade’ é apenas um conceito, uma alucinação que surge quando a consciência se identifica erradamente com uma forma particular.
Como surgiu a idéia do renascimento? Ela foi concebida, talvez, como algum tipo de hipótese de trabalho para satisfazer as pessoas mais simples que não são inteligentes o bastante para pensar além dos parâmetros do mundo manifesto.


De: "Sinais do Absoluto" 




domingo, 3 de junho de 2012

Seu Guru é Sua Meta







Pergunta: Você estava nos dizendo que há muitos pretensos Gurus, mas que um verdadeiro Guru é muito raro. Há muitos gnanis que se imaginam realizados, mas tudo quanto têm é conhecimento livresco e uma alta opinião de si mesmos. Algumas vezes impressionam, inclusive fascinam, atraem discípulos e os fazem perder tempo em práticas inúteis. Depois de alguns anos, quando o discípulo avalia a si mesmo, ele não encontra nenhuma mudança. Quando se queixa ao seu mestre, ele obtém a repreensão habitual de que não tentou com suficiente afinco. Lança-se a culpa na falta de fé e de amor no coração do discípulo quando, na realidade, a culpa é do Guru que não deveria aceitar discípulos nem levantar esperanças. Como proteger-nos de tais Gurus?

M: Por que se preocupar tanto com os outros? Quem quer que seja o Guru, se ele é puro de coração e atua de boa fé, não causará dano a seus discípulos. Se não há progresso, a culpa é do discípulo, de sua preguiça e falta de autocontrole. Por outro lado, se o discípulo é sério e se aplica inteligentemente e com zelo a seu sadhana, ele estará destinado a encontrar um mestre mais qualificado que o fará avançar mais. Sua pergunta flui de três falsas suposições: que deve preocupar-se com os outros; que se pode avaliar alguém e que o progresso do discípulo é tarefa e responsabilidade de seu Guru. Na realidade, o papel do Guru é apenas instruir e encorajar; o discípulo é totalmente responsável por si mesmo.

P: Fala-se que a entrega total ao Guru é suficiente, que o Guru fará o resto.

M: Certamente, quando há entrega total, completa renúncia a todo interesse pelo próprio passado, presente e futuro, pela própria segurança física e espiritual, e a própria posição, uma nova vida amanhece, plena de amor e beleza; o Guru então não é importante porque o discípulo quebrou a carapaça da autodefesa. A completa rendição por si mesma é liberação.

P: Que acontecerá quando o discípulo e seu Guru são inadequados?

M: A longo prazo tudo irá bem. Afinal de contas, o Eu real de ambos não é afetado pela comédia que eles representam durante algum tempo. Eles se tornarão sensatos, amadurecerão, e mudarão para um nível mais alto de relacionamento.

P: Ou, eles podem separar-se.

M: Sim, podem separar-se. Afinal de contas, nenhum relacionamento é para sempre. A dualidade é um estado temporário.

P: Encontrei-o por acidente e por outro acidente nos separaremos para nunca voltar a encontrar-nos? Ou meu encontro com você é parte de algum padrão cósmico, um fragmento no grande drama de nossas vidas?

M: O real é significativo e o significativo está relacionado com a realidade. Se nossa relação é significativa para você e para mim, ela não pode ser acidental. O futuro afeta o presente tanto quando o passado.

P: Como distinguir quem é um verdadeiro santo e quem não é?

M: Você não pode distinguir, a menos que tenha uma clara percepção do coração do homem. As aparências são enganosas. Para ver claramente, sua mente deve ser pura e desapegada. A menos que se conheça bem, como pode conhecer outro? E, quando você se conhece – você é o outro.
    Deixe os outros em paz durante algum tempo e examine-se. Há tantas coisas que você não conhece de si mesmo – o que é, quem é, como nasceu, o que faz agora e por que, aonde vai, qual é o significado e o propósito de sua vida, de sua morte, de seu futuro? Você tem um passado; tem um futuro? Como você chegou a viver na inquietude e na aflição, enquanto todo seu ser se esforça por felicidade e paz? Estes são assuntos importantes e devem ser cuidados em primeiro lugar. Você não necessita nem tem o tempo de averiguar quem é um gnani e quem não é.

P: Devo selecionar meu Guru corretamente.

M: Seja o homem certo e, seguramente, o Guru certo o encontrará.

P: Você não está respondendo à minha pergunta. Como encontrar o Guru certo?

M: Mas eu respondi sua pergunta. Não busque um Guru, nem mesmo pense em um. Faça de sua meta o seu Guru. Depois de tudo, o Guru é apenas um meio para um fim, não o próprio fim. Ele não é importante, o importante para você é o que espera dele. Agora, o que você espera?

P: Que sua graça me faça feliz, poderoso e pacífico.

M: Que ambições! Como pode uma pessoa limitada no tempo e no espaço, um mero corpo-mente, um suspiro de dor entre o nascimento e a morte, ser feliz? As próprias condições de seu surgimento tornam impossível a felicidade. A paz, o poder e a felicidade nunca são estados pessoais; ninguém pode dizer ‘minha paz’, ‘meu poder’, porque ‘meu’ implica exclusividade, a qual é frágil e insegura.

P: Só conheço minha existência condicionada; não há nada mais.

M: Certamente, você não pode dizer isto. No sono profundo você não está condicionado. Quão disposto e desejoso está para ir dormir, quão pacífico, livre e feliz você é quando dorme!

P: Não sei nada disso.

M: Coloque isso em termos negativos. Quando você dorme, não tem dor, não está limitado e não está inquieto.

P: Compreendo seu ponto de vista. Enquanto desperto, eu sei que eu sou, mas não sou feliz; no sono eu sou, sou feliz, mas não sei disso. Tudo o que necessito é saber que sou livre e feliz.

M: Assim é. Agora, vá para dentro, para um estado que pode se comparar com o dormir desperto, no qual você é consciente de si mesmo, mas não do mundo. Nesse estado você saberá, sem o menor traço de dúvida, que, na raiz de seu ser, você é livre e feliz. O único problema é que você está viciado na experiência e acalenta suas recordações. Na realidade, é ao contrário; o que é recordado nunca é real, o real é agora.

P: Compreendo intelectualmente tudo isto, mas não se torna parte de mim mesmo. Permanece como uma imagem para ser vista em minha mente. Não é tarefa do Guru dar vida à imagem?

M: De novo, é ao contrário. A imagem está viva; é a mente que está morta. Do mesmo modo que a mente é feita de palavras e imagens, assim é toda a reflexão na mente. A mente encobre a realidade com a verbalização e depois se queixa. Você disse que é necessário um Guru para fazer milagres com você. Só está jogando com palavras. O Guru e o discípulo são uma só coisa, como a vela e a chama. A menos que o discípulo seja sério, não pode ser chamado de discípulo. A menos que um Guru seja todo amor e doação, não pode ser chamado de Guru. Apenas a Realidade engendra realidade, não o falso.

P: Posso ver que sou falso. Quem me fará verdadeiro?

M: As próprias palavras que você disse o farão. A frase: ‘Posso ver que sou falso’ contém tudo o que você necessita para libertar-se. Estude-a, aprofunde-se nela, chegue à sua raiz; isto funcionará. O poder está na palavra, não na pessoa.

P: Não o compreendo totalmente. Por um lado você diz que é necessário um Guru; por outro, que o Guru só pode aconselhar mas o esforço é meu. Por favor, diga-o claramente: alguém pode compreender o Eu sem um Guru, ou o encontro de um verdadeiro Guru é essencial?

M: Mais essencial é o encontro de um verdadeiro discípulo. Acredite em mim, um verdadeiro discípulo é muito raro, pois, de imediato, ele vai além da necessidade de um Guru, ao encontrar seu próprio eu. Não gaste seu tempo tentando entender se o conselho que recebeu fluiu apenas do conhecimento ou de uma experiência válida. Siga-o fielmente. A vida trará a você outro Guru, se outro Guru for necessário. Ou o privará de toda orientação exterior, deixando-o com sua própria luz interior. É muito importante compreender que o que importa é o ensinamento, não a pessoa do Guru. Você recebe uma carta que o faz rir ou chorar; não é o carteiro que fez isso. O Guru só lhe dá as boas novas sobre o Eu real e lhe mostra o caminho de volta para ele. De certo modo o Guru é o mensageiro do Eu. Haverá muitos mensageiros, mas a mensagem é uma só: seja o que você é. Ou pode expressar isto de forma diferente: até que compreenda a si mesmo, você não poderá saber quem é seu verdadeiro Guru. Quando você compreender, descobrirá que todos os Gurus que você teve contribuíram para seu despertar. Sua realização é a prova de que seu Guru era real. Portanto, aceite o Guru como ele é, faça o que ele lhe fala, com seriedade e zelo, e confie em que seu coração o avisará se algo vai mal. Se a dúvida vem, não lute contra ela. Agarre-se ao que é certo e deixe o duvidoso em paz.

P: Eu tenho um Guru e o amo muito. Mas não sei se ele é meu verdadeiro Guru.

M: Observe-se. Se você se vê mudando, crescendo, significa que achou o homem certo. Pode ser que ele seja bonito ou feio, agradável ou desagradável, brando ou insultuoso; nada importa exceto o fato crucial do crescimento interior. Se você não cresceu, bem, pode ser que ele seja seu amigo, mas não seu Guru.

P: Quando eu me encontro com um europeu de certa educação e lhe falo sobre o Guru e seus ensinamentos, sua reação é: ‘Esse homem deve estar louco para ensinar tal disparate’. O que devo falar a ele?

M: Leve-o a si mesmo. Mostre-lhe o pouco que conhece de si mesmo, de que maneira toma as mais absurdas informações sobre si mesmo como verdades santas. Disseram a ele que era o corpo, que nasceu, que morrerá, que tem pais, deveres, que aprendesse a gostar do que os outros gostam e a temer o que os outros temem. Sendo totalmente uma criatura da hereditariedade e da sociedade, vive de recordações e atua mediante hábitos. Ignorante de si mesmo e de seus verdadeiros interesses, persegue falsas metas e sempre fica frustrado. Sua vida e sua morte são dolorosas e sem sentido, e não parece haver saída. Então lhe diga que há uma saída fácil para ele, não a conversão a outro conjunto de ideias, mas a liberação de todas as ideias e padrões de vida. Não fale de Gurus e discípulos – esta forma de pensar não é para ele. O seu caminho é um caminho interior, ele é movido por um impulso interior e guiado por uma luz interior. Convide-o a rebelar-se, e ele responderá. Não trate de inculcar nele que fulano de tal é um homem realizado e pode ser aceito como Guru. Enquanto ele não confiar em si mesmo, não pode confiar em outro. E a confiança virá com a experiência.

P: Que estranho! Não posso imaginar a vida sem um Guru.

M: É uma questão de temperamento. Você também tem razão. Para você, cantar os louvores de Deus é suficiente. Não necessita desejar a realização, nem assumir um sadhana. O nome de Deus é todo o alimento que necessita. Viva nele.

P: Esta constante repetição de umas poucas palavras não é um tipo de loucura?

M: É uma loucura, mas uma loucura deliberada. Toda repetição é tamas, mas repetir o nome de Deus é sattva-tamas devido a seu elevado propósito. Devido à presença de sattva, tamas será desgastado, e tomará a forma de uma completa liberdade da paixão, desapego, abandono, distanciamento, imutabilidade. Tamas se converte no firme fundamento sobre o qual se pode viver uma vida integrada.

P: O imutável – morre?

M: O que morre é o que muda. O imutável nem vive nem morre; ele é a testemunha atemporal da vida e da morte. Você não pode dizer que ele está morto, pois é consciente. Nem se pode dizer que ele está vivo, porque não muda. É simplesmente como seu gravador. Grava, reproduz – tudo por si mesmo. Você só escuta. Similarmente, eu observo tudo que acontece, incluindo minha conversa com você. Não sou eu quem fala, as palavras aparecem em minha mente e então as ouço quando ditas.

P: Não é o caso de todos?

M: Quem disse que não? Mas você insiste que pensa e fala, enquanto para mim há pensamento, há palavra.

P: Há dois casos a considerar. Ou eu encontrei um Guru, ou não. Em cada caso, o que é correto fazer?

M: Você nunca está sem um Guru, porque ele está atemporalmente presente em seu coração. Algumas vezes ele se exterioriza e chega a você como um fator edificante que reforma sua vida, uma mãe, uma esposa, um mestre; ou ele permanece como um impulso interior para a retidão e para a perfeição. Tudo o que você deve fazer é obedecer-lhe, e fazer o que ele lhe diz. O que ele quer que você faça é simples; aprenda a autoconsciência, o autocontrole, a autorrendição. Pode parecer árduo, mas é fácil se você é sério. E impossível se você não é. A seriedade é necessária e suficiente. Tudo se rende à seriedade.

P: O que faz alguém sério?

M: A compaixão é a base da seriedade. Compaixão por si mesmo e pelos outros, nascida do sofrimento próprio e do sofrimento dos outros.

P: Devo sofrer para ser sério?

M: Não é necessário se você é sensível e responde à aflição dos outros, como fez Buda. Mas se você for insensível e impiedoso, seu próprio sofrimento o fará questionar-se inevitavelmente.

P: Encontro-me sofrendo, mas não o bastante. A vida é desagradável, mas tolerável. Meus pequenos prazeres compensam minhas pequenas dores e, no conjunto, estou melhor que a maioria das pessoas que conheço. Sei que minha condição é precária, que uma calamidade pode alcançar-me a qualquer momento. Devo esperar que uma crise me coloque no caminho da verdade?

M: No momento em que viu quão frágil é sua condição, você já está alerta. Agora, mantenha-se atento, preste atenção, pergunte, investigue, descubra seus erros mentais e corporais e abandone-os.

P: De onde vem a energia? Sou como um homem paralisado em uma casa em chamas.

M: Mesmo as pessoas paralisadas às vezes correm em momento de perigo! Mas você não está paralisado, somente imagina assim. Dê o primeiro passo e estará no caminho.

P: Sinto que meu apego ao corpo é tão forte que não posso abandonar a ideia de que sou o corpo. Ela estará aderida a mim enquanto o corpo durar. Há pessoas que afirmam que nenhuma realização é possível enquanto se vive, e estou inclinado a concordar com elas.

M: Antes que você concorde ou discorde, porque não investiga a própria ideia de corpo?  A mente aparece no corpo ou o corpo na mente? Sem dúvida, deve haver uma mente que conceba a ideia ‘Eu sou o corpo’. Um corpo sem uma mente não pode ser ‘meu corpo’. ‘Meu corpo’ está invariavelmente ausente quando a mente está em suspensão. Também está ausente quando a mente está profundamente ocupada em pensamentos e sentimentos. Uma vez que compreenda que o corpo depende da mente, e a mente da consciência, e a consciência da Consciência e não ao contrário, sua pergunta a respeito da espera da autorrealização até o momento da morte está respondida. Não é que primeiro deva se libertar da ideia ‘Eu sou o corpo’ e então realizar o eu. Definitivamente, é o contrário – você se agarra ao falso porque não conhece o verdadeiro. A seriedade, não a perfeição, é a precondição para a autorrealização. As virtudes e o poder vêm com a realização, não antes.



De: "Eu Sou Aquilo" - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj - Editora Advaita 





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