Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Supremo, a Mente e o Corpo




Pergunta: Pelo que nos disse, parece que você não é totalmente consciente de seu ambiente. A nós, você parece extremamente desperto e ativo. Nós não podemos talvez acreditar que esteja em um tipo de estado hipnótico que não deixa vestígio de nenhuma recordação. Pelo contrário, sua memória parece excelente. Como entenderemos sua afirmação de que o mundo e tudo o que ele encerra não existe, no que toca a você?

Maharaj: É tudo uma questão de foco. A sua mente está enfocada no mundo; a minha está focada na realidade. É como a lua à luz do dia – quando o sol brilha, a lua quase não é visível. Ou observe como você se alimenta. Enquanto o alimento estiver na boca, você estará consciente dele; uma vez engolido, já não o interessará mais. Seria problemático tê-lo constantemente na mente até que fosse eliminado! A mente, normalmente, teria que estar em suspensão – a atividade incessante é um estado mórbido. O universo funciona por si mesmo – sei disto. O que mais necessito saber?

P: De modo que um gnani sabe o que está fazendo apenas quando presta atenção; de outro modo, ele simplesmente atua, sem se preocupar.

M: O homem médio não é consciente de seu corpo como tal. Ele é consciente de suas sensações, sentimentos e pensamentos. Mesmo estes, uma vez que se estabeleça o desapego, afastam-se do centro da consciência e acontecem espontaneamente e sem esforço.

P: Então, o que está no centro da consciência?

M: Isto a que não se pode dar nome e forma, já que não tem qualidades e está além da consciência. Você pode dizer que ele é um ponto na consciência, o qual está além da consciência. Como um buraco no papel, o qual está no papel e, ao mesmo tempo, não está no papel, assim o estado supremo está no próprio centro da consciência e ao mesmo tempo além dela. É como se fosse uma abertura na mente através da qual a mente seria inundada de luz. A abertura não é sequer a luz. É simplesmente uma abertura.

P: Uma abertura é simplesmente o vazio, a ausência.

M: Isso mesmo. Do ponto de vista da mente, é apenas uma abertura para que a luz da Consciência entre no espaço mental. Por si mesma, a luz só pode ser comparada a uma massa de Consciência pura que é sólida, densa, como uma rocha, homogênea e imutável, livre de padrões mentais de nome e forma.

P: Há alguma conexão entre o espaço mental e a morada suprema?

M: O supremo dá existência à mente. A mente dá existência ao corpo.

P: E o que há além?

M: Dando um exemplo. Um venerável iogue, um mestre na arte da longevidade, com mais de mil anos de idade, vem me ensinar sua arte. Eu respeito e admiro sinceramente seus êxitos e, ainda assim, tudo o que posso dizer a ele é: De que me serve a longevidade? Estou além do tempo. Por muito duradoura que seja a vida, é apenas um momento e um sonho. Do mesmo modo, estou além de todos os atributos. Eles aparecem e desaparecem em minha luz, mas não podem descrever-me. O universo é todas as formas e nomes, baseado em qualidades e diferenças, enquanto eu estou além de tudo isto. O mundo existe porque eu sou, mas eu não sou o mundo.

P: Mas você está vivendo no mundo!

M: Isso é o que você diz! Sei que existe um mundo, o qual inclui este corpo e esta mente, mas não os considero mais ‘meus’ que outras mentes e outros corpos. Eles estão aí, no tempo e no espaço, mas eu sou atemporal e ilimitado.

P: Mas, já que tudo existe por sua luz, você não seria o criador do mundo?

M: Eu não sou nem a potencialidade nem a atualização, nem a realidade das coisas. Em minha luz, elas vão e vêm como partículas de pó dançando no raio de sol. A luz ilumina as partículas, mas não depende delas. Nem se pode dizer que as criou. Nem sequer se pode dizer que as conheça.

P: Estou lhe fazendo uma pergunta e você está respondendo. Você está consciente da pergunta e da resposta?

M: Na realidade, não estou escutando nem respondendo. No mundo dos eventos, a pergunta e a resposta acontecem. Nada acontece para mim. Tudo simplesmente acontece.

P: E você é a testemunha?

M: O que a testemunha significa? Mero conhecimento. Choveu e agora a chuva acabou. Não me molhei. Sei que choveu, mas não fui afetado. Somente testemunhei a chuva.

P: O homem totalmente realizado, que mora espontaneamente no estado supremo, parece comer, beber e tudo o mais. Ele é consciente disto, ou não?

M: Isto no qual a consciência acontece, a consciência universal ou mente, nós chamamos o éter da consciência. Todos os objetos da consciência formam o universo. O que está além de ambos, apoiando-os, é o estado supremo, um estado de quietude e silêncio absolutos. Quem quer que vá ali desaparece. As palavras ou a mente não podem alcançá-lo. Você pode chamá-lo Deus, ou Parabrahman, ou Realidade Suprema, mas estes nomes são dados pela mente. É o estado sem nome, sem conteúdo, sem esforço e espontâneo, além do ser e do não ser.

P: Mas se segue sendo consciente?

M: Assim como o universo é o corpo da mente, a consciência é o corpo do supremo. Ela não é consciente, mas dá origem à consciência.

P: Em minhas ações diárias, muitas coisas ocorrem por hábito, automaticamente. Eu estou consciente do propósito geral, mas não de cada movimento em detalhe. À medida que minha consciência se amplia e aprofunda, os detalhes tendem a retirar-se, deixando-me livre para as tendências gerais. Não acontece o mesmo para um gnani, e ainda mais?

M: No nível da consciência – sim. No estado supremo, não. Este estado é inteiramente um e indivisível, um único e sólido bloco de realidade. O único modo de conhecê-lo é sê-lo. A mente não pode alcançá-lo. Para percebê-lo, não se requer o uso dos sentidos; para conhecê-lo, não é necessária a mente.

P: Assim é como Deus conduz o mundo.

M: Deus não está administrando o mundo.

P: Então, quem o faz?

M: Ninguém. Tudo ocorre por si mesmo. Você está fazendo a pergunta e dando a resposta. E você conhece a resposta quando faz a pergunta. Tudo é um jogo na consciência. Todas as divisões são ilusórias. Você só pode conhecer o falso, o verdadeiro você mesmo deve sê-lo.

P: Há a consciência testemunhada e a consciência que testemunha. É a segunda a suprema?

M: Existem as duas – a pessoa e a testemunha, o observador. Quando as vê como um, e vai além, você está no estado supremo. Ele não é perceptível, pois é o que torna possível a percepção. Está além do ser e do não ser. Não é nem o espelho nem a imagem no espelho. É o que é – a realidade atemporal, incrivelmente dura e sólida.

P: O gnani – ele é a testemunha ou o Supremo?

M: Ele é o Supremo, certamente, mas também pode ser visto como a testemunha universal.

P: Mas continua sendo uma pessoa?

M: Quando você acredita ser uma pessoa, vê pessoas em todas as partes. Na realidade não há pessoas, apenas fios de recordações e hábitos. No momento da realização, a pessoa tem um fim. A identidade permanece, mas a identidade não é uma pessoa, é inerente à própria realidade. A pessoa não tem nenhuma existência em si mesma; ela é um reflexo na mente da testemunha, o ‘Eu sou’, que novamente é um modo de ser.

P: O Supremo é consciente?

M: Nem consciente nem inconsciente. Digo-o por experiência.

P: Pragnanam Brahma.O que é Pragna?

M: É o conhecimento que não é autoconsciente da própria vida.

P: É vitalidade, energia de vida, vivacidade?

M: A energia vem em primeiro lugar. Pois tudo é uma forma de energia. A consciência está mais diferenciada no estado de vigília. Um pouco menos no sonho. Ainda menos no sono profundo. É homogênea – no quarto estado. Além, está a inexpressável realidade monolítica, a morada do gnani.

P: Cortei a mão. Já sarou. Que poder a fez sarar?

M: O poder da vida.

P: O que é esse poder?

M: É consciência. Tudo é consciente.

P: Qual é a origem da consciência?

M: A própria consciência é a origem de tudo.

P: Pode existir vida sem consciência?

M: Não, nem consciência sem vida. Ambas são uma. Mas, na realidade, só o Supremo é. O resto é questão de nomes e formas. E, enquanto se aferrar à ideia de que apenas o que tem forma e nome existe, o Supremo lhe parecerá não existente. Quando entender que os nomes e as formas são cascas vazias sem nenhum conteúdo seja qual for, e que o real não tem nome nem forma, que é pura energia de vida e luz de consciência, então estará em paz – imerso no profundo silêncio da realidade.

P: Se o tempo e o espaço forem meras ilusões e você está além, diga-me, por favor, que tempo faz em Nova Iorque. Faz calor ou está chovendo?

M: Como poderia falar para você? Tais coisas necessitam treinamento especial. Ou simplesmente viajar até Nova Iorque. Eu posso estar muito seguro de estar além do tempo e do espaço e, ao mesmo tempo, ser incapaz de localizar-me à vontade em algum ponto do tempo e do espaço. Não tenho suficiente interesse; não vejo nenhum propósito em seguir um treinamento ióguico especial. Simplesmente ouvi falar de Nova Iorque. Para mim, é uma palavra. Por que teria que conhecer mais do que encerra a palavra? Cada átomo pode ser um universo, tão complexo como o nosso. Tenho que os conhecer todos? Poderia – se treinasse.

P: Ao fazer a pergunta sobre o tempo em Nova Iorque, onde cometi o erro?

M: O mundo e a mente são estados de ser. O supremo não é um estado. Ele penetra todos os estados, mas não é um estado de outra coisa. É inteiramente sem causa, independente, completo em si mesmo, além do tempo e do espaço, da mente e da matéria.

P: Por que sinal o reconhece?

M: Esta é a questão, ele não deixa rastro. Não há como reconhecê-lo. Deve ser visto diretamente, abandonando toda a busca de sinais e aproximações. Quando forem abandonados todos os nomes e formas, o real estará com você. Não necessita buscá-lo. A pluralidade e a diversidade são apenas o jogo da mente. A realidade é uma só.

P: Se a realidade não deixasse evidência, não se poderia falar sobre ela.

M: A realidade é. Não se pode negá-la. Ela é profunda e obscura, um mistério além do mistério. Mas ela é, enquanto tudo mais meramente acontece.

P: É o Desconhecido?

M: Está além de ambos, o conhecido e o desconhecido. Mas eu o chamaria mais conhecido que desconhecido, pois, quando algo é conhecido, é o real que é conhecido.

P: O silêncio é um atributo do real?

M: Isto também é da mente. Todos os estados e condições são da mente.

P: Qual é o lugar do samadhi?

M: Não fazer uso da própria consciência é samadhi. Você simplesmente deixou a mente em paz. Você não quer nada, nem do corpo nem da mente.


"Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj"





quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Junho de 1996 (Bretanha, França) Ranjit Maharaj





 VISITANTE: Quando contemplo minha verdadeira natureza, estou no “eu sou”. Um sentimento de amor sem causa me invade então. Será que esse sentimento é justo ou ainda é uma ilusão?

 RANJIT MAHARAJ: É a felicidade do ser. Você prova a presença “eu sou”. Você esquece tudo, os conceitos e a ilusão, é um estado não-condicionado. Essa felicidade aparece na ignorância ou no esquecimento do objeto, mas na felicidade há sempre um leve contato do ser, está tocado. Afinal, isso é ainda um conceito. Quando você está cansado do mundo exterior, você quer ficar recolhido em você. É a experiência dum estado elevado, mas ainda da mente. O Si não tem nem prazer nem desprazer. Sem o “eu” eu sou.
 O esquecimento total da ilusão quer dizer que nada é, nada existe. Ela está ali de certa maneira, mas para você não tem mais realidade. É o que chamamos por realização ou conhecimento de si. É a realização de si sem o “eu”, sem a experiência. Se alguém o chama, você responde: “estou aqui”, mas antes de dizer “estou aqui”, você era. Seu sentimento de ser não estava ali, mas quando é chamado, esse sentimento jorra espontaneamente. Assim, é chamado não-condicionado.
 A ilusão não pode trazer nada mais á realidade, não pode dar algo de “extraordinário” á realidade, porque a realidade é a base de tudo que existe. Tudo que é, o que você vê, os objetos da sua percepção, tudo isso é apenas devido á realidade. A ignorância e o conhecimento não existem, eles não são. Então qual é a expressão que você pode dar-lhes? Quando você dá uma expressão, isso quer dizer que há algo experimentado. E é a experiência do que de fato não existe. Assim que você sente algo, você se afasta de si – mesmo. Você sente amor, é muito melhor que ficar na ignorância, mas afinal é sempre um estado, e um estado é sempre condicionado. O não-condicionado é sem estado. Trata-se da experiência da não-existencia da ilusão. Se você sentir existência por menor que seja, é ignorância. Isso é muito sutil, a ignorância e o conhecimento são ambos sutis. É difícil entender, mas se dedicar realmente a essa investigação, conseguira esse estado. Isso é, e sempre foi, mas você não sabe, é a dificuldade. Não há um único lugar, um único ponto onde a realidade não seja. Você experimenta sua existência a través os objetos, mas tudo isso não é nada. Ela é onipresente, mas não pode vê-la. Por quê? Porque você é ela – mesma, a realidade, como você pode ver a si – mesmo? Para ver sua face, você precisa dum espelho.
 A verdadeira felicidade está em você, e não fora de você. No sono profundo você é feliz, está na ignorância do mundo. Assim a felicidade reside no esquecimento do mundo. Deixe o mundo do jeito que é, não o destrói, mas saiba que ele não é. Faça todas as coisas que tem a fazer, mas esteja sempre de fora, afastado pela compreensão, porque tudo que você sente, percebe e faz é ilusão, não existe. Sua mente deve aceitar isso. Os sábios dizem “Já que isso é nada, como esse nada pode afetá-lo?” Mas o que diz sua mente o afeta, o toca... Então, que fazer? A mente é nada mais que conhecimento, mas isso não está certo.
 Dois homens queriam pregar uma peça a um dos seus amigos. Um deles começa insultando outro, que se pus então a rir. O terceiro, ultrajado lhe diz: “como você pode rir enquanto ele o insulta?”. Ria porque sabia que era apenas um jogo, tinha a chave do jogo, mas o outro não entendia. Da mesma maneira, os seres realizados vivendo nesse mundo compreendem que tudo isso é nada, e seja o que for que aconteça, nada acontece. Assim não estão tocados. As pessoas estão sempre no temor do que acontece ou vá acontecer, do que os outros vão dizer. “O que vou fazer?”, pensam, “o que vá me acontecer?”. Lutam ou festejam. Todas essas alienações e esses bloqueios vêm da mente, mas aquele que está fora do circulo entende que tudo isso é nada, não existe, que é apenas ignorância.
É dito que aquele que mergulha nas profundezas do oceano encontra a perola. Aquele que fica na superfície é arrastado no turbilhão do prazer e do sofrimento. Você deve mergulhar fundo no ilimitado porque é ali que você está. Nunca pare ao finito, ao limitado. O ouro não se preocupa com as formas que moldam as jóias, isso pode ser a figurinha dum cachorro ou duma divindade, é indiferente ás formas.  Da mesma maneira, seja indiferente ás coisas porque não existem, nada pode tocá-lo, você não está ligado. A mente deve chegar á plena compreensão do que é a ilusão. O que sobrou é seu estado.
 Nada sobrou para aquele que entendeu, não há nem ganho nem perda. Não me pergunte se você pode alcançar a realidade, porque você é a realidade, então porque dizer: “posso?”. Primeiramente, saia do círculo, largue as coisas uma após outra, e mergulhe em você – mesmo. Em seguida volte, e esteja em tudo.
 O que descreveu é um bom estado, não há dúvida á respeito, mas vá um pouco mais longe. Quando a mente aceita que tudo é ilusão, tudo apenas ilusão, então você está em você – mesmo. O corpo e a mente são ilusões, você deveria estar feliz por saber isso. Livre-se dessa identificação. A única coisa que o mestre faz é dar seu real valor ao poder que está em você, ao qual você não dá nenhuma importância. Ele não faz mais nada. Era uma pedra, e o mestre revela sua verdadeira natureza que é o diamante. Faz de você – mesmo a pedra mais preciosa. Eu sou onipotente, onipresente, sou o criador de tudo que é. Quando você está na base de tudo, você é tudo, então, até um assassino não pode ser considerado como mal. Tudo que acontece é “minha ordem”. Seja o mestre, não o escravo. Você já é o mestre.

 V: Gostaria de saber por que alguns seres realizados se reencarnam para ajudar outros a se realizar?

 R.M: Ninguém vai ninguém vem... Quem lhe diz isso? Você leu alguns livros e você os repete. É dito que o maior homem é aquele que morre desconhecido. Rama e krishna eram “heróis” secundários. O homem realizado vive no silêncio e morre no silêncio. Depois seu pensamento trabalha em alguma outra pessoa, mas que eles voltam é insensato. Ninguém vai ninguém vem. Tudo é apenas um sonho. No sonho você se torna um grande mestre, mas ao acordar, você retorna ao estado comum. Quem foi lá, e quem voltou? Nada aconteceu, o conceito dum grande mestre o afagou e você se tornou esse “grande mestre”. Ao acordar você pensa: “oh tudo isso é insensato, como posso ser um grande mestre, não sei nada?”. Porém, no sonho, você dava conferencias e falava de todas essas coisas com desenvoltura, mas ao acordar esses conhecimentos sumiram. Era apenas um sonho
 De onde isso apareceu, e onde isso desapareceu? Quando nada é, tudo são apenas crenças e conceitos da mente. O pretenso sábio que diz: “eu sou a reencarnação de Deus”, não o conhece e não conhece a realidade. Ao contrario é escravo do seu ego, da ilusão. Quando o próprio conhecimento não tem entidade, todas essas questões são irrelevantes.
 Aquele que entende se livra de tudo. Essa pessoa se parece a uma pessoa comum, mas seu coração é muito diferente. Se você ficar fora, como pode entender? Para você se tornar proprietário dessa casa, deve entrar nela. Da mesma maneira, você deve penetrar seu próprio ser para se tornar proprietário dele, mas ai, o “eu” não cabe como “eu”, não se trata nem de mestre nem de discípulo. O pensamento do mestre pode inspirar todo aquele que incorpora, porque ele e aquele que partiu em silêncio são “um”. Penetre o coração do ser realizado, e você não se mantém mais como “você”, porque só ele é. Assim, é dito daqueles que ensinam que são encarnações de Deus. O mestre dá o conhecimento para todos, mas não lhe dá valor, porque sabe que o conhecimento é a maior ignorância. Não seja afetado por nada

 V: Se tudo é ilusão, será você – mesmo uma ilusão?

 R.M: Oh sim! Eu sou a maior das ilusões! Tudo que digo com tanto coração e tão francamente é falso. Mas o falso que lhe digo pode fazê-lo alcançar esse ponto. O endereço da pessoa não é real, apenas a pessoa é real. Quando você chega numa casa graça ao endereço que lhe foi dado, aquele só se torna verdadeiro no momento que entra na casa. As palavras não são outra coisa senão indicações, não têm realidade em si. Se “eu” ficar, eu sou também uma ilusão. Não se mantenha como “eu”, é isso a grande compreensão da filosofia. São Tukaram diz “vi minha própria morte, e o que vi ali, a felicidade que foi revelada, isso eu sei” Você deve morrer primeiro, “você” quer dizer ilusão.
 Assim, o que digo é falso, mas ainda assim verdadeiro porque estou falando “Disso”. O endereço é falso, mas quando você encontra a pessoa, é a realidade. Da mesma maneira todas as escrituras sagradas e todos os livros filosóficos estão ali somente para indicar esse ponto e quando você o alcança, eles se tornam não-existantes, vazios. As palavras são falsas, apenas aquilo que veiculam é verdadeiro, são todas ilusões, mas compreender a ilusão, a ilusão é necessária. Por exemplo: você tira uma espinha fincada no seu dedo com outra espinha, em seguida você joga ambas as espinhas. Mas se você conserva a espinha que lhe serviu para tirar a primeira, inevitavelmente será picado novamente. Para tirar a ignorância, o conhecimento é necessário, mas finalmente ambos devem se dissolver na realidade. VOCÊ – mesmo é sem ignorância, sem conhecimento.
 Assim, o mestre e o buscador são ilusão porque eles são apenas “um”. O falso só pode ser suprimido pelo falso. Se você guardar a secunda espinha (o conhecimento), até se for de ouro, ela o picará. O ego é a única ilusão, e o ego é conhecimento. Diz-se que para pegar ladrão, é preciso se passar por ladrão. Você poderá então lhe dizer: “eu sei que é ladrão, mas cuidado estou aqui, não poderá me roubar”. Você não pode pegar um ladrão, porque ele tem quatro olhos e você só dois. Numa piscadela o ladrão descobre objetos de valor, e ao menor descuido da sua parte, ele o rouba! A ilusão é parecida ao ladrão, você deve então ser mais forte que o ladrão! Sua mente deve aceitar que tudo é ilusão, nada mais que ilusão, você será então o “grande dos grandes”
 O conhecimento é a maior coisa, mas deve ser apenas um remédio. Quando a febre desaparece graça ao medicamento que você toma, você deve parar de tomá-lo. Não continue o tratamento, ou causará mais problemas. O conhecimento é somente necessário para erradicar a doença da ignorância. O medico lhe aconselhará sempre uma dosagem limitada!
 Em primeiro lugar, entenda que o “eu” é ilusão, o que “eu” digo é ilusão.  O mestre e o que ele diz são também ilusão, porque em realidade, eu e ele não existem mais. Absorve-se em você – mesmo, tão profundamente que desaparece. Senão eis o que acontecerá: Uma cabra entrou na sua casa, e para fazê-la sair, você abre a porta. A cabra sai, mas um camelo entra. O camelo é igual á ilusão.

 V: Se um mendigo pede dinheiro a um ser realizado, o que fará?

 R.M: É sua escolha, dá ou não dá porque afinal, ainda é ilusão. Ele pode parecer sem piedade ao ponto de não dar água a um doente que geme: “água, água”, não dará, porque esse homem vá morrer de toda maneira. Dando água para ele, vá respirar um pouco mais e sofrerá ainda mais. Você pensa ser bom lhe dando água, mas só aumenta o sofrimento dele. Por que ele está na ignorância, quer viver mais e mais, mas o que vai conseguir respirando um pouco mais? Terá mais sofrimento. Também, não o aconselha de ser sem piedade, mas guarde isso no fundo do seu coração. Dê-lhe água se quiser, mais saiba que lhe acrescenta sofrimento. Aquele que acredita ter feito uma boa ação se engana.
 Se você der cem francos a um mendigo, não será mais rico amanhã, continuará mendigando, porque esse hábito é tão profundamente enraizado nele que se tornou sua secunda natureza. Todos os homens mendigam para conseguir a felicidade desde o nascimento, e finalmente morrem sem nunca consegui-lo. Até quando vocês vão rezar á igreja ou ao templo, vocês se fazem de mendigo perante Deus, primeiro mendigam para vocês, em seguida para suas mulheres, seus filhos etc. Assim, pechincham primeiro para vocês, e depois para os outros. Todo mundo procura a felicidade, mas não a consegue, porque seu método para alcançá-la é errado. Esteja sempre no caminho que o mestre lhe indica e será um com ele.
 O hábito não é nada mais que o resultado duma mente estreita. A mente é o conhecimento, e quando penetra o corpo físico, se molda com paixões e hábitos Esses hábitos e paixões o deixam infeliz. Assim, estejam atentos, entre na prisão, mas saibam que não são culpados. Fique no mundo sabendo que nada é verdadeiro. Não crie paixões, compreenda o que são e estará livre na vida, enquanto o corpo se mantiver. Um dia, ele se desintegrará, mas ninguém nasce ninguém morre.
 Bendito aquele que se realize. Realização quer dizer compreensão, e se compreender a ilusão, você será sempre feliz.


 Tradução de Alain Launay

                                     

domingo, 11 de setembro de 2011

Testemunhar





  
Pergunta: Estou cheio de desejos e quero satisfazê-los. Como obter o que eu quero?

Maharaj: Você merece o que deseja? De um modo ou de outro você tem que trabalhar para realizar seus desejos. Ponha energia neles e espere os resultados.

P: De onde retirar a energia?

M: O próprio desejo é energia.

P: Então, por que não se realizam todos os desejos?

M: Talvez não tenham sido suficientemente fortes e duradouros.

P: Sim, esse é meu problema. Quero coisas, mas sou preguiçoso quando chega o momento da ação.

M: Quando seu desejo não for claro nem forte, não poderá tomar forma. Além disso, se seus desejos forem pessoais, para seu próprio prazer, a energia que você lhes dá, necessariamente, será limitada; ela não poderá ser maior do que a que você tem.

P: Ainda assim, frequentemente, as pessoas comuns alcançam o que desejam.

M: Depois de desejá-lo muito e por muito tempo. Ainda assim, seus feitos serão limitados.

P: E os desejos não egoístas?

M: Quando você desejar o bem comum, o mundo inteiro desejará com você. Faça seu o desejo da humanidade, e trabalhe por ele. Você não poderá falhar.

P: A humanidade é o trabalho de Deus, não o meu. Eu me interesso em mim mesmo. Não tenho o direito de ver meus legítimos desejos realizados? Eles não prejudicarão ninguém. Meus desejos são legítimos. Eles são corretos, por que não se realizam?

M: Os desejos são corretos ou impróprios de acordo com as circunstâncias, dependendo de como os olhar. A distinção entre correto e incorreto só é válida para o indivíduo.

P: Quais são as normas para tal distinção? Como posso saber quais de meus desejos são corretos e quais são incorretos?

M: Em seu caso, os desejos que levam à tristeza são incorretos e aqueles que levam à felicidade são corretos. Mas você não deve esquecer os outros. A tristeza e a felicidade deles também contam.

P: Os resultados estão no futuro. Como posso saber quais serão?

M: Utilize sua mente. Recorde. Observe. Você não é diferente dos outros. A maioria das experiências deles também será válida para você. Pense clara e profundamente, entre em toda a estrutura de seus desejos e de suas ramificações. Eles são a parte mais importante de sua constituição mental e emocional, e afetam poderosamente suas ações. Recorde, você não pode abandonar o que não conhece. Para ir além de você mesmo, deve se conhecer.

P: O que quer dizer conhecer a mim mesmo? Ao conhecer a mim mesmo, que é exatamente o que chego a saber?

M: Tudo o que você não é.

P: E não o que eu sou?

M: O que você é, você já é. Conhecendo o que você não é, você se livra disto, permanecendo em seu próprio estado natural. Tudo ocorre muito espontaneamente e sem esforço.

P: E o que descobrirei?

M: Descobrirá que não há nada a descobrir. Você é o que é e isto é tudo.

P: Mas, finalmente, o que sou eu?

M: A negação final de tudo que não é você.

P: Não entendo!

M: É essa ideia fixa de que você tem que ser uma coisa ou outra que o cega.

P: Como posso desfazer-me desta ideia?

M: Se confiasse em mim, acreditaria quando lhe dissesse que você é a Consciência pura que ilumina a consciência e seu conteúdo infinito. Perceba isto e viva consequentemente. Se você não acreditar em mim, então vá a seu interior e averigue ‘O que sou eu?’, ou focalize sua mente no ‘Eu sou’, o qual é ser puro e simples.

P: De que depende minha fé em você?

M: Em sua capacidade de ver no coração dos demais. Se você não puder olhar em meu coração, olhe dentro do seu.

P: Não posso fazer nenhuma das duas coisas.

M: Purifique-se mediante uma vida útil e bem ordenada. Vigie seus pensamentos, sentimentos, palavras e ações. Isto clareará sua visão.

P: Não devo primeiro renunciar a tudo e viver uma vida sem lar?

M: Você não pode renunciar. Pode deixar sua casa e criar problemas para sua família, mas os apegos estão na mente e não o deixarão até que conheça sua mente por dentro e por fora. Primeiro o começo – conheça a si mesmo, tudo além virá por acréscimo.

P: Mas você já me disse que sou a Realidade Suprema. Isto não é autoconhecimento?

M: Certamente, você é a Realidade Suprema! Mas, e daí? Cada grão de areia é Deus; sabê-lo é importante, mas isso é só o começo.

P: Bem, você me disse que eu sou a Realidade Suprema. Acreditei em você. O que tenho que fazer agora?

M: Já o disse. Descubra tudo o que não é. Corpo, sentimentos, pensamentos, ideias, tempo, espaço, ser e não ser, isto ou aquilo – nada concreto ou abstrato que possa apontar é você. Uma mera afirmação verbal não bastará – você pode repetir uma fórmula interminável sem nenhum resultado. Você deve ser a testemunha de você mesmo continuamente, em particular de sua mente, momento a momento, sem perder nada. Este testemunhar é essencial para a separação entre o eu e o não eu.

P: Este testemunhar – não é minha natureza real?

M: Para ser a testemunha, deve haver algo para testemunhar. Estamos ainda na dualidade!

P: E ser testemunha da testemunha?  Consciência da Consciência?

M: Juntar palavras não o levará longe. Vá para seu interior e descubra o que você não é. Nada mais importa.


De: "Eu Sou Aquilo - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj"






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