Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ramesh Balsekar - Jnana e Bhakti








O ponto principal do ensinamento de Nisargadatta Maharaj, é que neste sonho vivo da vida nós não somos os personagens sonhados que pensamos que somos, mas que somos o sonhador (quem está sonhando), e é a nossa identificação equivocada com o personagem sonhado, como uma entidade separada sendo o 'fazedor', o que causa a ilusão do 'aprisionamento'. Nesse mesmo sentido, então, não pode ser o personagem sonhado, uma mera aparência, que pode ser 'despertado' ou 'liberado'. De fato, o despertar consiste em aniquilar totalmente a falsa entidade com a qual nós temos erroneamente nos identificado. Nessa mesma linha, ademais, o 'despertar' ou a 'liberação' não pode ser 'atingido' através de nenhum esforço. Quem irá fazer os esforços – um fenômeno, uma mera aparência? O despertar pode apenas acontecer quando há uma absoluta convicção, através de uma apercepção intuitiva, que nós somos o sujeito que sonha e não os objetos sonhados que desaparecem com o fim do sonho. Para levar esse tema para sua conclusão lógica, a questão final seria: Como essa apercepção intuitiva surge ou acontece? Mas então, esse é exatamente o ponto. Se o processo estivesse dentro dos parâmetros da compreensão intelectual, como poderia ser 'intuitivo'? O intelecto é muito necessário para entender certos fundamentos, mas existe um limite restrito de até onde o intelecto pode ir, e depois, é apenas quando o intelecto abandona todos os esforços e se rende completamente que a intuição assume.

Deveria ficar claro, portanto, que a identificação com uma entidade separada, imaginária, independente, deve desaparecer antes que possa haver o despertar, a iluminação ou a liberação. A identidade equivocada deve ser abandonada antes que a verdadeira identidade possa ser assumida. O que é falso deve ir, antes que o que é verdadeiro possa vir. Isso pode acontecer, diz o Maharaj, de muitas formas. A profunda concentração intelectual do Jnani na fonte da consciência que nós somos chega a um ponto onde a dualidade, a base do intelecto, desaparece repentinamente e a unicidade intuitiva toma a frente. Também, a profunda devoção do Bhakta por seu Deus pode alcançar uma intensidade onde, novamente, a dualidade entre o Bhakta e Deus desaparece de repente e há a realização de que ele, o Bhakta e Ele, o Deus são um, não dois. O mesmo resultado poderia seguir através de um longo e árduo processo de prática Yogi, ou mesmo através de um genuíno serviço social altruísta. Entretanto, o ponto de decolagem final, em todos os casos, é a aniquilação total da identidade individual equivocada. E nesse estágio final o milagre acontece. No momento em que a falsa identidade é liquidada, não sobra nada com o que se identificar, exceto a totalidade! E essa é a experiência do Jnani, do Bhakta bem como a do Yogi.

Um visitante europeu perguntou uma vez para Maharaj: “O mais importante dos mandamentos é: 'Deveis amar o Senhor teu Deus'. Mas eu acho muito frustrante, na verdade, porque esse mandamento fica difícil de ser obedecido pela adição das palavras 'com todo seu coração e toda sua alma e toda sua mente'. Significa claramente que uma mera atitude religiosa bem intencionada não é o suficiente, uma vez que as palavras adicionadas enfatizam que o amor que é mostrado não deve meramente parecer ser amor, mas deve de fato ser amor. A pessoa pode agir como se realmente amasse, mas como assegurar que realmente se ama de verdade? Como assegurar espontaneidade?” A resposta do Maharaj foi simples e linda: 'Sem a auto-realização, nenhuma virtude é genuína; é apenas quando você chega na mais profunda convicção de que a mesma vida flui através de tudo, e que você é essa vida, que você começa a amar tudo natural e espontaneamente.' Tal convicção, é claro, só pode vir através de uma apercepção intuitiva, e a Natureza (Nisarga) terá o seu próprio curso para esse processo intuitivo.

No que diz respeito à identidade do Ser e Deus, é interessante notar a similaridade muito próxima entre o ensinamento dos grandes místicos de várias fés em diferentes épocas.
Nos é dito por São João da Cruz, em seus cânticos que “A corda do amor ata tão próximos Deus e a alma, e os une de tal maneira, que ela os transforma e os torna um através do amor; de modo que, embora em essência eles sejam diferentes, ainda assim, na glória e aparência a alma parece Deus e Deus parece a alma”. (cântico, xxxi) E, em seguida: “Deixe-me ser transformado de tal maneira em Tua beleza, que, sendo iguais em beleza, nós possamos nos ver ambos em Vossa beleza; de maneira que um se segurando ao outro, possamos cada um ver sua beleza refletida no outro, a beleza de ambos sendo a Tua apenas, e a minha absorvida Nela". (cântico xxxvi)

Também o grande Plotino nos fala: “Se um homem vê a ele mesmo tornar-se um com o Um, ele tem em si mesmo a semelhança do Um, e se ele passar por si mesmo como uma imagem por seu arquétipo, ele chegou no fim da sua jornada. Isso pode ser chamado de o vôo do solitário para o Solitário.” (Eneadas, VI 9.911) Os místicos vêem a relação do ser e Deus como algo parecido com a relação entre uma imagem e seu protótipo, mas nunca mais do que uma semelhança, nunca representada no total, mas próxima o bastante para provocar expressão.

Bakti e Jnana na verdade não são diferentes. Nos estágios finais, no caso de ambos, a identidade com a entidade individual desaparece de fato, e o Maharaj, em sua usual abordagem direta e imediata, nos pede para aceitarmos essa base verdadeira de imediato e rejeitar totalmente a falsa. Ele não diz que é fácil, mas ao mesmo tempo nos estimula a não continuar perseguindo uma mera sombra como o ideal. Ele quer que aceitemos nossa verdadeira posição agora, firmemente, com convicção e deixemos a sombra se fundir na coisa essencial! Se você continuar perseguindo a sombra como o ideal, o ideal estará sempre se recuando de você, ele diz.

O Senhor Krishna aponta no Bhagavad Gita, sholoka 10, capítulo 10: "Eu dou Bhudi Yoga, a Yoga da discriminação, para aqueles sempre devotados que Me adoram com amor, por meio do qual eles chegam à Mim.” Conforme a glória de Deus começa a alvorecer na mente do adorador e ele fica cada vez mais envolvido em seu amor por Deus, a Natureza o conduz para o que quer que seja necessário para o progresso seguinte. Maharaj diz que o Guru está sempre lá pronto com sua graça. Tudo o que é requerido é a capacidade, um tipo de receptividade requerida para aceitá-la. Tudo o que é necessário é sinceridade e determinação. A Natureza faz o resto de acordo com a necessidade e as circunstâncias de cada caso.

Seria interessante examinar nesse contexto o que dois dos grandes místicos indianos – Jnaneshvara, fundamentalmente um Jnani, e Tukaram, reconhecido como um dos maiores Bhaktas – tem a dizer sobre esse assunto.
Em seu Jnaneshvari, e especialmente em seu Amritanubhava, vemos a grandeza de Jnaneshvara como um filósofo. Mas é realmente em sua literatura Abhanga que o encontramos despejando seu coração em Bhakti. Geralmente, acredita-se que Jnaneshvara, também conhecido como Jnanadeva, sendo um Jnani, não sofreu as aflições da separação de Deus que o Bhakta sofre. Mas existe um certo número de seus primeiros Abhangas que mostram que, como Tukaram e outros Bhaktas, Jnaneshvara também penou por seu amado Deus. Ele lamenta que a despeito de ser um com Deus, ele não está apto a vê-Lo. “Eu me consumo atrás de Ti”, ele diz, “como um homem com sede anseia por água”. Então, em frustração ele diz: “Que Vossa vontade seja feita, pois todas minhas súplicas foram em vão”.”

Jnaneshvara segue para uma luta poética quando ele descreve a obtenção da bênção consequente da comunhão com Deus: “Conforme aproximei-me de Deus, meu intelecto ficou imóvel e quando O vi me tornei Ele próprio...” (Abhanga 79). E, novamente: “Em todas as minhas experiências fui aplacado pelo silêncio. O que devo fazer se não posso dizer nenhuma palavra? Nivriti mostrou-me Deus em meu coração e eu tenho apreciado a cada dia um novo aspecto Dele.” (Abhanga 76) E mais, “Preenchido com Deus, por dentro e por fora, quando vamos abraçá-Lo, nos tornamos identificados com Ele. Deus não pode ser repelido mesmo se o desejarmos. A individualidade chega a um fim. Quando o desejo persegue Deus, Ele se esconde, num lampejo, entretanto, Deus se mostra quando todos os desejos se aquietam”.

Jnaneshvara simboliza dentro de si mesmo uma unidade não apenas do Jnana e do Bhakti mas também do Yoga em seus vários aspectos. Estando totalmente ciente de que é impossível no nível intelectual entender a natureza de Deus, ou a nossa própria natureza verdadeira, ele diz: “A brisa fresca do sul não pode ser feita cair como água de um pedaço de pano; a fragrância das flores não pode ser amarrada por uma corda … não se pode encher um jarro com o brilho das pérolas, o céu não pode ser fechado”. (Abhanga 93) Para ele o divino aparece como a unidade do homem e da mulher; Shiva e Shakti estão ambos fundidos Nele. A verdadeira bênção, diz Jnaneshvara, é para ser encontrada apenas na Auto-visão, e ele a descreve da seguinte maneira: “Ele vê sua própria forma presente em toda parte. Ele vê o reflexo da forma sem forma. A pessoa que vê se esvai, em toda parte Deus está presente. Não há nem o emergir nem o submergir de Deus. Deus apenas é, e Ele aprecia sua própria felicidade em Sua experiência unitiva. O marido invisível mantém-se desperto em sua cama sozinho”. (Abhanga 91)

Em contraste com Jnaneshvara, a carreira mística de Tukaram fornece um exemplo típico de Bhakti puro. Ele passa por inacreditáveis sofrimentos e angústias até que, finalmente e de repente, ele tem uma visão de Deus, ou uma Auto-visão, que transforma sua vida penosa numa vida de luz, liberdade e harmonia total. Ele descreve sua experiência mais íntima num verso lírico: “O mundo todo tornou-se agora iluminado e a escuridão chegou ao fim… É impossível descrever a bênção da iluminação incessante… Deus e o Ser estão agora deitados na mesma cama… o mundo todo está preenchido com música divina… Tanto meu interior quanto meu exterior estão repletos de bênção divina...” E finalmente, a mais elevada experiência do místico: “Dei a luz a mim mesmo, e saí do meu próprio útero; todos os meus desejos chegaram ao fim e meu objetivo foi alcançado… todas as coisas desapareceram e se fundiram na unicidade… Eu não vejo nada, e ainda vejo tudo. O 'eu' e 'meu' foram removidos de mim, eu falo sem falar. Eu como sem comer… Não preciso nascer e morrer. Eu sou como sou. Não há nem nome nem forma para mim e estou além da ação e da inação… Adorar a Ti torna-se impossível uma vez que És idêntico à todos os meios de adoração. Se eu quero cantar uma música (em Teu louvor) Tu és aquela música. Se eu toco o címbalo Tu és o címbalo.”

Os Abhangas de Tukaram são repletos de misticismo. Ele diz que gostaria que Deus não fosse sem forma: “Seja sem forma para aqueles que querem que sejas assim, mas para mim assuma uma forma e um nome que eu possa amar...” Mais tarde, entretanto, Tukaram estabelece uma identidade entre Deus e o devoto: “Viemos a conhecer agora Tua natureza real. Não há nem santo nem Deus. Não há semente, como pode haver fruto? Tudo é uma ilusão.”

Vimos tanto Bhakti quanto Jnana em ação, e fica claro que eles não são caminhos separados para 'atingir' o Definitivo. Realmente, não há a questão de 'selecionar' um ou o outro. Na experiência mística o 'indivíduo' é totalmente aniquilado, quaisquer que sejam as circunstâncias – ou seja, se o ponto de decolagem foi alcançado através da devoção ou através do conhecimento ou através da combinação dos dois. A conclusão clara é que enquanto a idéia de uma entidade separada com um sentido de ser o fazedor permanece, a experiência mística do universo ser uma ilusão não pode ocorrer. Portanto, devemos aceitar o fato de que nunca houve, nunca pôde haver uma entidade separada nem para estar aprisionada ou para ser liberada.

domingo, 17 de julho de 2011

Ramesh Balsekar - Livre Arbitrio e Dialogos










Ramesh: Primeiramente, diga-me o que você entende por “livre arbítrio”.

Pergunta: A noção de que “eu” posso escolher entre uma coisa ou outra.

Ramesh: Sim, mas isso inclui as consequências do que você escolhe? Seu livre arbítrio é escolher uma coisa ou outra. O seu livre arbítrio inclui o que decorrerá de fato daquilo que você escolher?

Pergunta: Não.

Ramesh: Que utilidade tem o seu livre arbítrio? Que livre arbítrio mais sem utilidade você tem! Então o que é o livre arbítrio? Certamente você pode escolher, mas se o que você escolher irá acontecer ou não, não está no seu controle. É por isso que quando as pessoas usam essas palavras eu geralmente as interrompo e peço-lhes para dizerem o que elas querem dizer por “livre arbítrio”.

Pergunta: A lógica que você apresentou, que faz sentido para mim, é que o desdobramento natural da criação, uma vez que é colocado em movimento desdobra-se a partir de um padrão determinado muito complexo. E então há este ego que pensa que pode escolher uma coisa ou outra.

Ramesh: Você vê, em que bases você faz suas escolhas? Como você faz suas escolhas?

Pergunta: Essa seria minha pergunta, eu ia perguntar: “Quem escolhe?”

Ramesh: “Quem” escolhe? O ego escolhe. Mas o ego escolhe baseado em que? Meu ponto é que o ego faz sua “escolha” com base na programação que ele recebeu.

Pergunta: Sobre a qual ele não tem controle.

Ramesh: O condicionamento do meio circundante sobre o qual você não teve escolha.

Pergunta: Ou o DNA, ou algo mais.

Ramesh: Isso mesmo, portanto, há o DNA ou os genes, sobre os quais você não teve escolha, mais o condicionamento recebido do seu meio sobre o qual você não teve escolha. São essas duas coisas que eu chamo de 'a programação' com a qual você fará a “sua” escolha. Você fará sua escolha baseado no que você foi condicionado a pensar ser certo ou errado. Portanto, se o seu livre arbítrio está baseado na programação, a qual você não teve controle, então é o livre arbítrio “de quem” que estamos falando?

Pergunta: Então mesmo o livre arbítrio é uma função do Sujeito absoluto, da Fonte?

Ramesh: Correto, ou melhor, o livre arbítrio que você valoriza tanto está baseado em algo sobre o qual você não tem controle.

Pergunta: Muito bom. Isso é muito bom mesmo!

Ramesh: Eu retorno à válida questão do ego. O ego tem uma questão válida: “Vivendo em sociedade é esperado que eu faça escolhas – eu não devo fazer escolhas?” Eu digo: “É claro que sim.” Mas tudo o que estou dizendo para você considerar é: a escolha que você faz, é realmente “sua” escolha ou essa escolha acontece?

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Pergunta: Quando você fala sobre como nossas vidas são determinadas, usando os conceitos do robô ou do computador, isso soa muito limitador, não há escolha, não há liberdade. Mas minha experiência é que me sinto repleta de um sentido de liberdade.


Ramesh: Claro, esse é o ponto importante. Então, o que é esse sentido de liberdade que surge? Que tipo de liberdade é esse?

Pergunta: Eu não sou esse robô ou o computador.

Ramesh: Exatamente. Esse é o ponto. Portanto, liberdade de que? Liberdade daquilo que anteriormente identificava-se com o computador. Significa liberdade do próprio computador, liberdade da identificação com o computador. O sentimento que você tem agora Ashika, é que antes você pensava que “você” era o computador e agora sabe que você não é o computador. Esse computador está sendo usado pela Fonte, ou Deus, para trazer certas ações que necessitam acontecer através deste organismo corpo-mente. Não é isso?

Pergunta: Eu pensava que liberdade era liberdade de escolha, era fazer o que eu queria.

Ramesh: Livre arbítrio.

Pergunta: Sim. Isso tudo parece ter morrido.

Ramesh: Então não há livre arbítrio e isso não traz um senso de constrição.

Pergunta: Há uma liberdade totalmente diferente, liberdade de não estar de modo algum identificada.

Ramesh: Sim. Liberdade do envolvimento. Sua experiência foi que o envolvimento é que causa a infelicidade; se não há envolvimento não há infelicidade. Então, o que você realmente está dizendo é que a liberdade é da tristeza porque é liberdade do envolvimento. E “quem” se envolve? O ego fica envolvido. A liberdade é a liberdade do ego. E o ego é o sentido pessoal de autoria das ações. Portanto, liberdade, em última instância, é liberdade do sentido de autoria pessoal das ações – tanto deste organismo corpo-mente, como dos outros organismos. É notável que isso tenha ocorrido com você, os outros talvez não aceitem isso, mas quanto a você a liberdade se estende a todos. Ninguém tem livre arbítrio. Tudo o que acontece é que ações acontecem através dos bilhões de computadores corpo-mente. Então não há razão para Ashika sentir-se culpada, sentir orgulho ou ódio de ninguém. Isso é aceitável?

Pergunta: Sim.

Ramesh: Essa é a liberdade que está refletida na sua compreensão – liberdade da culpa, do orgulho, do ódio e da inveja – que significa o que? Liberdade do envolvimento. É o envolvimento que causa infelicidade – um pouco de felicidade e um monte de infelicidade. Portanto, aceitar o que acontece como sendo algo que você não pode se envolver e sobre o qual você não tem nenhum controle – essa é a liberdade pelo fato que o que quer que esteja acontecendo está além do controle de qualquer pessoa. Desse modo, o que quer que esteja acontecendo é simplesmente aceito como algo que deveria acontecer – e não por causa da vontade de algum indivíduo.

Pergunta: Eu estava sentindo-me confusa pois havia esse enorme sentimento de liberdade mas não era liberdade para fazer ou deixar de fazer. Era simplesmente uma liberdade para ser.

Ramesh: Você vê, liberdade do envolvimento é liberdade da limitação do ego. O ego é restrito. Então o ego que pensava anteriormente que “ele” era livre para fazer o que “ele” quisesse agora descobriu que não existe “Ashika” para fazer coisa alguma. Isso é liberdade da responsabilidade, do sentido de autoria pessoal das ações e liberdade do orgulho. Pelo ego essa liberdade é traduzida como uma perda de “seu” livre arbítrio pessoal. Então essa liberdade é em si estar livre do ego, mas o ego não pode sentir essa liberdade. O ego sente que “ele” perdeu o livre arbítrio de fazer o que ele quer fazer – que “ele” pensava que possuía. Essa foi a confusão que você sentiu, a liberdade que surgiu da perda do sentido de autoria das ações significa a perda de liberdade do ego. Isso faz sentido?

Pergunta: Sim.

Ramesh: Eu repito: liberdade do sentido de autoria pessoal significa a perda da liberdade do ego. E essa é a confusão, pois ainda há essa identificação do ego com este organismo corpo-mente chamado Ashika. O ego ainda permanece e sente-se terrivelmente restringido.


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Pergunta: Eu preferia estar falando em particular com você, mas a respeito da repetição de mantras, algumas mudanças maravilhosas aconteceram. Nenhuma mudança realmente dramática.

Ramesh: O que é uma coisa boa. De outra maneira você estaria se prendendo a elas.

Pergunta: Quando criança, eu ficava sempre assustado com o frio, cada vez esperando que me acostumaria com isso. Eu ficava assustado, como se tivesse despertado do sono. A primeira vez que investiguei a repetição do “eu sou”, foi a mesma experiência alarmante. Agora uma mudança natural está acontecendo. Isso deve ser perseguido?

Ramesh: Aceite isso, sem as perguntas: "deveria ou não deveria acontecer".

Pergunta: Há algum valor nessas chamadas praticas espirituais e nos métodos disciplinatórios?

Ramesh: A mente humana está mais do que pronta para que seja falado para ela fazer algo. Você ficaria surpreso de quantas pessoas têm a firme crença que não apenas essas várias práticas espirituais conduzem à iluminação, como que a própria prática desses métodos é a iluminação. É total idolatria e superstição.

Pergunta: Mas tratar todas as práticas espirituais como idolatria e superstição é manter a mete fechada, não é?

Ramesh: De qualquer forma mantenha a mente aberta. Se você se encontra numa posição onde você está fazendo alguma prática, tente fazê-la e veja. No meu caso, antes de eu ir no Nisargadatta Maharaj, eu tive um guru por vinte anos. Ele era um guru tradicional que dava iniciações tradicionais. Naquela época, minha necessidade de um guru era tão intensa que quando eu fui até ele, numa pequena cerimônia de iniciação, durante esse processo eu fui tão arrebatado que eu não conseguia para de chorar. Uma emoção construída, uma necessidade de um guru que havia sido construída estava expressando-se daquela maneira. Muito cedo eu percebi que o que ele estava me ensinando, com toda sinceridade, não era o que eu realmente queria. Se alguém fosse ao Maharaj e dissesse: “minha esposa está doente” ou “meu filho está desempregado”, Maharaj iria dizer: “sinto muito, eu não posso ajudá-lo”. Enquanto que meu primeiro guru iria considerar parte de sua função não apenas se encarregar de sua vida espiritual, mas também iria ajudar a pessoa, da maneira mais genuína e sincera, nas necessidades materiais. O ensinamento de Maharaj era totalmente impessoal, universal. Mas esse primeiro guru era primeiramente um Hindu e também um não-dualista, um Advaita. Ele diria: “Faça este puja, faça tal prática disciplinar, vá visitar tal templo”. Ele não era uma fraude. Ele era genuíno. Mas a crença dele culminava com a firme convicção de que o que o guru dele havia dito para ele era o definitivo, que o guru pessoal dele, que havia morrido há muitos anos, ainda guiava as ações dele. Bem depressa ficou claro para mim que não era isso que eu tinha estado à procura desde os doze anos de idade. Mas não é a natureza deste organismo romper com alguém violentamente, então o relacionamento continuou por vinte anos. Um fato curioso sobre esse relacionamento é que ele foi previsto astrologicamente em 1950. Não por um astrólogo que lê o horóscopo, mas através de uma previsão do Sul da Índia chamada nadi. Havia um tipo pele ou de folha tão elástica que era impossível de ser quebrada. Nela estava entalhado em letras pequenas a predição de que eu iria primeiramente ter um guru por vinte anos e que não iria acontecer muito ali, mas que depois que eu me aposentasse eu encontraria meu verdadeiro guru e então o progresso seria bem rápido. Depois que me aposentei, li um artigo sobre Nisargadatta Maharaj escrito por Jean Dunn no the Mountain Path. Quando subi as escadas para o sobrado de Maharaj pela primeira vez, as primeiras palavras de Nisargadatta foram: “Até que enfim você veio, não foi? Venha e sente-se.” Portanto, se alguém tem o dom da cura, por que não? O dom da astrologia, da psicoterapia, por que não? Eu não perdi vinte anos antes de encontrar Maharaj. Tudo é uma preparação para a próxima cena. Então, se alguma força misteriosa dirige você para alguma prática, eu aconselho você a não se afastar dela ou a não abandoná-la. Aceite-a, tente-a. Se posteriormente essas práticas espirituais ficarem pelo caminho, deixe-as. E se acontecer, minha única sugestão é, não sinta-se culpado por isso. É um acontecimento sobre o qual você não tem controle. Chang-Tzu disse: “o mestre veio quando era a hora dele vir, o mestre se foi no fluxo ordinário dos eventos.” Quando há mesmo que um lampejo dessa compreensão, mesmo que no nível intelectual, você começa a ter uma sensação de liberdade, ou, mais precisamente, o sentido de liberdade substitui o sentido de frustração. O sentido de frustração é a volição que o 'eu' é muito relutante em abandonar. Quando há realmente uma convicção de que eu sou apenas um instrumento, como os bilhões de seres humanos através dos quais Deus ou a Totalidade opera, como pode não haver um tremendo sentimento de liberdade?

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Pergunta: No momento em que percebo que estive perdido em pensamentos sobre o futuro, há algo

particular a ser feito?

Ramesh: Nada. Absolutamente nada.

Pergunta: O próximo momento irá cuidar de si mesmo? Eu posso esquecer isso e pensar sobre o futuro novamente?

Ramesh: Correto. O que estou dizendo é que a ação de escutar ocorreu com uma certa quantidade de receptividade. De outra maneira nem mesmo essa pergunta iria surgir. Então esse escutar receptivo irá transformar-se em compreensão e essa compreensão vai ser a testemunha, a qual é necessária para evitar o envolvimento. É o 'eu', a mente pensante, que em vez de compreender faz a pergunta: “Então o que devo fazer agora?” A resposta é: “Nada”. Isso significa, efetivamente, ignorar a mente pensante. A única maneira pela qual essa mente pensante sucumbe é quando ela é ignorada. Não há outra maneira dela acabar.

Pergunta: No Vipassana, um método de retornar ao presente é focar em alguma sensação do corpo. Isso me parece similar com o que você tem dito.

Ramesh: Não, esse tipo de “fazer” geralmente é ainda a mente observando a mente, é um processo mental. A auto-investigação (Investigação de Si) não significa que toda vez que um pensamento ocorrer deveríamos metodicamente começar a pensar: “Para quem esse pensamento ocorreu? Eu não sou o corpo” e assim por diante. Tudo isso está no tempo e na duração, não está? Qualquer coisa que aconteça no tempo e na duração é envolvimento. Portanto, em vez de ficar envolvido num processo mental, é mais simples e mais efetivo permanecer numa posição de aceitação contentada. Um pensamento surgiu, ele é testemunhado e é cortado. O testemunho não precisa de nenhum processo mental.

Pergunta: Qual é o melhor meio de compreender que não somos o fazedor?

Ramesh: A melhor maneira de entender que você não é o fazedor é perceber que você não é um corpo sólido. Você é meramente um vazio no qual a energia vibra de acordo com um padrão individual particular. Desse modo, você não é um ser individual, quem dirá um fazedor individual. Você não é nem mesmo uma entidade individual. Você não é nada. É um mero padrão de energia em vibração. Compreender isso verdadeiramente, com convicção, ajudará tremendamente.

Pergunta: Mas podemos compreender isso um em momento e então, durante o resto do dia, descobrir que estamos novamente assumindo a autoria.

Ramesh: Ó sim! Mas isso tem de vir. Deixe vir.

Pergunta: Mas a compreensão torna-se compartimentada.

Ramesh: Pelo contrário, ela não permanece num compartimento. Ela desce bem para a raiz da existência, para a base da existência. Você não precisa repetir de novo e de novo: “Eu sou, eu estou vivo.” Não há necessidade de dizer: “Eu sou um homem.” O conhecimento está lá. Se esses pensamentos ocorrerem, será um anuviamento temporário da consciência. Por quanto tempo esse anuviamento acontecerá não está em suas mãos. Não há nenhuma técnica que o “eu” possa empregar para fazer esses pensamentos irem embora.

Pergunta: Então um momento de pura compreensão de que não somos o fazedor é mais importante do que as compreensões menores?

Ramesh: Absolutamente. O tempo de duração dela está fora de questão aqui.

Pergunta: Muitas vezes no “I am That”, Maharaj advertia as pessoas a se manterem com o sentimento de Eu Sou.

Ramesh: A resposta era dada para as pessoas que precisavam fazer algo. Para esse homem de ação, o Karma Iogue, dizer-lhe apenas para compreender seria extremamente difícil. Foi difícil para mim entender a quem Maharaj estava se dirigindo quando dizia: “Permaneça no Eu Sou”. Obviamente ele estava endereçando isso a alguém. Foi uma questão difícil que perturbou- me por seis meses. Essa é sua questão também.

Pergunta: Sim, mas espero que não dure seis meses.

Ramesh: Você pode sentir-se grato se ela não durar seis anos! Mas é uma questão básica. A questão me incomodava desde manhã cedo e durante o dia todo. Finalmente, ocorreu essa compreensão repentina de que aquelas sugestões: “Apenas seja” ou “permaneça no Eu Sou” não eram endereçadas a um “eu” (mim). Se euaceitasse a verdade básica de que o “eu” é meramente uma aparência na Consciência, não haveria nada mais para ser feito. Essa aceitação não vem rapidamente em todos os casos. Até que ela viesse, durante o processo dessa aceitação se tonar firme, Maharaj estava endereçando-se àquele “eu” que precisava de uma certa quantidade de orientação. Ele não estava dando sugestões para alguém que não precisava delas. Os fatos básicos ele já havia deixado claro: que não há tal objeto como ser humano com independência como uma entidade separada, com independência de escolha e decisão, com volição. Uma mera aparência não pode ter nenhuma volição. No caso do próprio Maharaj, ele tinha uma inclinação natural e por intuição para o caminho da devoção, ou seja, bhakti. Ele costumava ir a um templo toda a noite e cantar bajans. Ele disse: “eu tinha uma voz muito boa, então deleitava-me ao cantar e isso me deixava muito feliz, eu não estava interessado em nenhum conhecimento e nem em repetir o nome de Deus. Era o que eu gostava de fazer e eu fazia.” Certo dia, um amigo dele que costumava ir a um certo guru insistiu que Maharaj o acompanhasse. Então Maharaj foi. A maneira tradicional era levar uma guirlanda de flores. “Até a guirlanda de flores simbólica foi comprada por meu amigo”, Maharaj disse. A mensagem básica essencial do guru era que não existe algo como uma entidade individual, ela era apenas uma aparência na Consciência. Maharaj disse: “talvez, aceitei isso porque eu era uma pessoa iletrada. O intelecto não era desenvolvido à uma certa agudeza onde ele quisesse saber os porquês e os motivos de tudo. Por alguma razão eu pude aceitar e esse foi o fim da questão.” Maharaj continuou a ir aos bajans e ao mesmo tempo essa compreensão se enraizou em seu coração. Gradualmente suas idas ao templo acabaram, mas sem que ele fizesse um esforço para isso.

Uma coisa que posso lhe falar é que não há coisa alguma que "você" possa fazer a respeito da Realização, porque o “você” tem que desaparecer e o “você” não fará “você” desaparecer.



De: Portal do Conhecimento Divino




sexta-feira, 15 de julho de 2011

O Verdadeiro Guru










Pergunta: Outro dia você disse que na raiz de sua realização estava a confiança em seu Guru. Ele lhe assegurou que você já era a Realidade Absoluta e nada mais havia a fazer. Você confiou nele e deixou por isso mesmo, sem tensão, sem esforçar-se. Minha pergunta agora é: sem a confiança no Guru, você teria se realizado? Afinal de contas, o que você é, você é, confie sua mente ou não. A dúvida obstruiria a ação das palavras do Guru tornando-as inoperantes?

Maharaj: Você o disse – elas se tornariam inoperantes – por um tempo.

P: E o que aconteceria para a energia ou para o poder das palavras do Guru?

M: Permaneceria latente, não manifestada. Mas toda a pergunta está baseada em um mal-entendido. O mestre, o discípulo, o amor e a confiança entre ambos, tudo isto é um fato, não tantos fatos independentes. Cada um é parte do outro. Sem amor e confiança, não haveria nem Guru nem discípulo, nem relação entre eles. É como pressionar um interruptor para acender uma lâmpada elétrica. É porque a lâmpada, os fios, o interruptor, o transformador, as linhas de transmissão e a central de força formam um todo único que se obtém a luz. Se faltasse algum desses fatores, não haveria luz. Você não deve separar o inseparável. As palavras não criam fatos; elas os descrevem ou os distorcem. O fato sempre é não verbal.

P: Eu ainda não entendo; as palavras do Guru podem não se realizar ou, invariavelmente, serão provadas como verdadeiras?

M: As palavras de um homem realizado nunca fracassam em seus propósitos. Elas esperam pelas condições corretas, o que pode levar algum tempo, e isto é natural, visto que há uma estação para semear e uma estação para colher. Mas a palavra de um Guru é semente que não pode perecer. Certamente, o Guru deve ser um Guru real, alguém que esteja além do corpo e da mente, além da própria consciência, além do tempo e do espaço, além da dualidade e da unidade, além da compreensão e da descrição. As boas pessoas que leram muito e têm muito a dizer podem ensinar-lhe muitas coisas úteis, mas elas não são os Gurus reais cujas palavras invariavelmente se realizam. Elas também podem dizer-lhe que você é a própria realidade suprema, mas o que resulta disto?

P: Não obstante, se por alguma razão acontecer que neles confie e obedeça, serei eu o perdedor?

M: Se você for capaz de confiar e obedecer, logo encontrará o seu Guru verdadeiro, ou melhor, ele o encontrará.

P: Todo conhecedor do Ser se converte em um Guru, ou alguém pode ser um conhecedor da Realidade sem ser capaz de levar os outros a ela?

M: Se você sabe o que ensina, pode ensinar o que sabe. Aqui a capacidade de ver e a capacidade de ensinar são uma coisa só. Mas a Realidade Absoluta está além de ambas. Os Gurus auto-designados falam de maturidade e esforço, de méritos e realizações, de destino e graça; tudo isso são meras formações mentais, projeções de uma mente viciada. Em lugar de ajudar, obstruem.

P: Como posso decidir a quem seguir e de quem desconfiar?

M: Desconfie de todos até que esteja convencido. O verdadeiro Guru nunca o humilhará nem o afastará de você mesmo. Constantemente, ele o levará de volta ao fato de sua perfeição inerente e o encorajará a buscá-la dentro de si mesmo. Ele sabe que você não necessita de nada, nem mesmo dele, e nunca se cansa de lembrá-lo a você. Mas o Guru auto-designado está mais interessado nele mesmo que em seus discípulos.

P: Você disse que a realidade está além do conhecimento e do ensinamento do real. O conhecimento da realidade não é o próprio supremo, e o ensinamento, a prova de tê-lo alcançado?

M: O conhecimento do real, ou do eu, é um estado da mente. Ensinar outro é um movimento na dualidade. Eles dizem respeito à mente apenas. Sattva é igualmente um guna.


P: O que é real então?

M: Aquele que conhece a mente como não realizada e realizada, que conhece a ignorância e o conhecimento como estados mentais, é o real. Quando dão a você diamantes misturados com cascalho, você pode encontrar ou não os diamantes, mas o que importa é a visão. Onde estão o cinzento do cascalho e a beleza do diamante, sem o poder para ver? O conhecido é apenas uma forma e o conhecimento, apenas um nome. O conhecedor é somente um estado da mente. O real está além.

P: Certamente, o conhecimento objetivo e as ideias das coisas, e o autoconhecimento, não são um e a mesma coisa. Um necessita de um cérebro, o outro não.

M: Para o propósito de discussão, você pode arranjar palavras e dar-lhes significado, mas o fato que persiste é que todo conhecimento é uma forma de ignorância. O mais preciso mapa é ainda apenas papel. Todo conhecimento está na memória; ele é apenas reconhecimento, enquanto a realidade está além da dualidade de conhecedor e conhecido.

P: Então mediante o que se conhece a realidade?

M: Quão enganadora é a sua linguagem! Inconscientemente, você supõe que a realidade também é acessível através do conhecimento. E então você introduz um conhecedor da realidade além da realidade! Compreenda que a realidade não necessita ser conhecida para ser. A ignorância e o conhecimento estão na mente, não no real.
  
P: Se não existe o conhecimento do real, então como eu o alcanço?

M: Você não necessita estender a mão para o que já está com você. Seu próprio estender a mão o faz perdê-lo. Abandone a ideia de que não o encontrou e simplesmente deixe-o vir ao foco da percepção direta, aqui e agora, removendo tudo o que é da mente.

P: Quando tudo o que pode desaparecer desaparece, o que resta?

M: O vazio permanece, a Consciência permanece, a pura luz do ser consciente permanece. É como perguntar sobre o que fica em um quarto quando se retiram todos os móveis. Fica um quarto mais aproveitável. E, mesmo quando as paredes são derrubadas, o espaço permanece. Além do espaço e do tempo está o aqui e o agora da realidade.

P: A testemunha permanece?

M: Enquanto há consciência, sua testemunha também está ali. As duas aparecem e desaparecem juntas.

P: Se a testemunha também é transitória, por que se lhe dá tanta importância?

M: Simplesmente para quebrar o encanto do conhecido, a ilusão de que apenas o perceptível é real.

P: A percepção é primária, a testemunha é secundária.

M: Este é o cerne da questão. Enquanto você acredita que só o mundo exterior é real, você permanece seu escravo. Para libertar-se, sua atenção deve ser levada ao ‘Eu sou’, a testemunha. Certamente, o conhecedor e o conhecido são um, não dois, mas, para quebrar o encanto do conhecido, o conhecedor deve ser trazido à frente. Nenhum dos dois é primário, ambos são reflexos na memória da experiência inefável, a qual é sempre nova e sempre no agora, intraduzível, mais rápida que a mente.

P: Senhor, eu sou um humilde buscador, errando de Guru em Guru em busca da liberação. Minha mente está doente, ardendo de desejo, gelada de temor. Meus dias passam rapidamente com o vermelho da dor e com o cinza do tédio. Minha idade avança, minha saúde decai, meu futuro é escuro e pavoroso. Nesse ritmo, viverei na aflição e morrerei em desesperação. Há alguma esperança para mim? Ou cheguei tarde demais?

M: Não há nada errado em você, mas as idéias que tem sobre si mesmo são totalmente incorretas. Não é você quem deseja, teme ou sofre, mas a pessoa construída sobre o alicerce de seu corpo pelas circunstâncias e influências. Você não é aquela pessoa. Isto deve ser claramente estabelecido na mente e nunca perdido de vista. Normalmente, requer um prolongado sadhana, anos de austeridades e meditação.

P: Minha mente é débil e vacilante. Não tenho nem a força nem a tenacidade para fazer o sadhana. Meu caso é sem esperança.

M: Em certo modo, o seu é um caso muito esperançoso. Há uma alternativa ao sadhana, que é a confiança. Se você não pode ter o convencimento nascido de uma busca frutífera, então aproveite minha descoberta, a qual anseio compartilhar com você. Eu posso ver com a maior claridade que você nunca esteve, nem está, nem estará separado da realidade, que você é a plenitude da perfeição aqui e agora e que nada pode privá-lo de sua herança, do que você é. Você não é de forma alguma distinto de mim, apenas não sabe disto. Você não sabe o que você é e, portanto, imagina ser o que você não é. Daí os desejos e medos e o desespero devastador. E uma atividade insensata para escapar deles.
    Confie em mim e viva mediante esta confiança. Eu não o induzirei a erro. Você é a Realidade Suprema além do mundo e de seu criador, além da consciência e de sua testemunha, além de todas as afirmações e negações. Recorde-a, pense-a, atue de acordo com ela. Abandone todo o sentido de separação, veja-se em tudo e atue em concordância. Com a ação, chegará a felicidade e, com a felicidade, a convicção. Apesar de tudo, você duvida de você mesmo porque está aflito. A felicidade natural, espontânea e duradoura, não pode ser imaginada. Ou ela existe ou não existe. Uma vez que comece a experienciar a paz, o amor e a felicidade, os quais não necessitam causas exteriores, todas as suas dúvidas se dissolverão. Somente compreenda bem o que lhe disse, e viva por isso.

P: Você está me dizendo que viva mediante a recordação?

M: Você está vivendo pela recordação de qualquer modo. Estou lhe pedindo meramente que substitua as velhas recordações pela recordação do que eu lhe disse. Do mesmo modo que agiu sobre suas velhas memórias, aja de acordo com o novo. Não tema.  Durante algum tempo, é inevitável que haja conflito entre o velho e o novo, mas se você se puser resolutamente do lado do novo, a luta acabará logo e você compreenderá o estado sem esforço de ser o que é, de não ser enganado por desejos e temores nascidos da ilusão.

P: Muitos Gurus têm o costume de dar sinais de sua graça – seus panos de cabeça ou seus bastões, ou a tigela de mendigo, ou a veste, transmitindo ou confirmando assim a autorrealização de seus discípulos. Eu não vejo valor em tais práticas. O que se transmite não é a autorrealização, mas a autoimportância. De que serve que nos digam algo muito lisonjeiro, mas não verdadeiro? Por um lado você me previne contra os muitos autointitulados Gurus e, por outro, quer que confie em você. Por que você pretende ser uma exceção?

M: Não lhe peço que confie em mim. Confie em minhas palavras e recorde-as; eu quero sua felicidade, não a minha. Desconfie daqueles que colocam uma distância entre você e seu ser verdadeiro e se ofereçam como intermediários.  Eu não faço nada parecido. Nem sequer faço alguma promessa. Meramente digo: se você confia em minhas palavras e as põe à prova, descobrirá por si mesmo quão absolutamente verdadeiras são. Se você pede uma prova antes de arriscar-se, só posso dizer-lhe: eu sou a prova. Eu confiei nas palavras de meu mestre e as mantive em minha mente, e achei que ele tinha razão, que eu era, sou e serei a Realidade Infinita, abarcando tudo, transcendendo tudo.
    Como você disse, você não tem nem o tempo nem a energia para práticas prolongadas. Ofereço-lhe uma alternativa. Aceite minhas palavras em confiança e viva de novo, ou viva e morra na aflição.

P: Parece demasiado bom para ser verdade.

M: Não se deixe enganar pela simplicidade do conselho. Muito poucos são os que têm a valentia de confiar – os inocentes e os simples. O amanhecer da sabedoria é saber que você está prisioneiro de sua mente, que vive em um mundo imaginário de própria criação. A seriedade consiste em não querer nada dele, em estar pronto a abandoná-lo inteiramente. Só tal seriedade, nascida do verdadeiro desespero, fará você confiar em mim.

P: Não sofri o bastante?

M: O sofrimento o embotou, incapacitando-o de ver sua enormidade. Sua primeira tarefa é ver a dor em você e ao seu redor; a seguinte é desejar intensamente a liberação. A própria intensidade do desejo o guiará; não necessita outro guia.

P: O sofrimento me tornou insensível, indiferente inclusive ao próprio sofrimento.

M: Talvez não tenha sido a dor, mas o prazer que o fez insensível. Investigue.

P: Qualquer que seja a causa, eu estou embotado. Não tenho nem vontade nem energia.

M: Oh, não! Tem o suficiente para dar o primeiro passo. E cada passo gerará suficiente energia para o seguinte. A energia vem com a confiança e a confiança vem com a experiência.

P: É correto trocar de Guru?

M: Por que não trocar? Os Gurus são como marcos no caminho? É natural seguir adiante, de um a outro. Cada um indica a direção e a distância, enquanto o sadguru, o Guru eterno, é o próprio caminho. Uma vez que compreenda que o caminho é a meta e que você sempre está no caminho, não para alcançar uma meta, mas para apreciar sua beleza e sua sabedoria, então a vida deixa de ser uma tarefa e se torna natural e simples, um êxtase em si mesma.

P: Não há então necessidade de adoração, de orar, de praticar Ioga?

M: Um pouco de varredura, lavagem e banho diário não pode causar dano. A autoconsciência diz, a cada passo, o que é necessário fazer. Quando tudo está feito, a mente permanece quieta.
    Agora você está em estado de vigília, uma pessoa com nome e forma, alegrias e penas. A pessoa não existia antes que você nascesse, nem existirá depois de sua morte. Em vez de lutar com a pessoa para convertê-la ao que não é, por que não vai além da vigília e deixa totalmente a vida pessoal? Não significa a extinção da pessoa; apenas significa vê-la na perspectiva correta.

P: Uma pergunta mais. Você disse que antes de nascer eu era um com o puro ser da realidade; se foi assim, quem decidiu que eu deveria nascer?

M: Na realidade você nunca nasceu, nem nunca morrerá. Mas agora imagina que você é, ou tem um corpo, e pergunta o que produziu este estado. Dentro dos limites da ilusão, a resposta é: o desejo nascido da recordação o atrai a um corpo e o faz pensar que você é um com ele. Mas isto é verdadeiro apenas do ponto de vista relativo. De fato, não há nenhum corpo, nem um mundo para contê-lo; há apenas uma condição mental, um estado como o do sonho, fácil de dissipar pelo questionamento da realidade.

P: Depois que você morrer, voltará outra vez? Se eu viver o bastante, tornarei a encontrá-lo novamente?
 
M: Para você o corpo é real, para mim não há nenhum. Eu, como você me vê, existo apenas em sua imaginação. Sem dúvida, você novamente me verá se necessitar de mim e quando me necessitar. Isto não me afeta, exatamente como o Sol não é afetado por amanheceres e ocasos.  Porque ele não é afetado, certamente estará aí quando for necessário.
   Você é propenso ao conhecimento, eu não. Não tenho esse sentido de insegurança que o faz ansiar o conhecimento. Eu sou curioso, como uma criança é curiosa. Mas não há nenhuma ansiedade que me faça buscar refúgio no conhecimento. Portanto, não estou preocupado se deverei renascer, ou quanto durará o mundo. Estas são perguntas que nascem do temor.


De: "Eu Sou Aquilo - Conversações om Sri Nisargadatta Maharaj



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