Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sábado, 19 de março de 2011

A Pessoa, a Testemunha e o Supremo







Pergunta: Temos uma longa história de uso de drogas atrás de nós, em sua maioria drogas da variedade que expande a consciência. Elas nos deram a experiência de outros estados de consciência, altos e baixos, e também a convicção de que as drogas não são confiáveis; no melhor dos casos, são transitórias e, no pior, destruidoras do organismo e da personalidade. Estamos buscando os melhores meios para desenvolver a consciência e a transcendência. Queremos que os frutos de nossa busca permaneçam conosco e enriqueçam nossas vidas em lugar de converter-se em pálidas recordações e arrependimentos sem solução. Se por espiritual entendermos a autoinvestigação e o desenvolvimento, nosso propósito ao vir à Índia definitivamente é espiritual. A etapa do hippie feliz ficou para trás; agora somos sérios e em ação. Sabemos que há a realidade a ser encontrada, mas não sabemos como encontrá-la e agarrar-nos a ela. Não necessitamos que nos convençam, só orientação. Você pode nos ajudar?

Maharaj: Você não necessita de ajuda, só de aconselhamento. O que busca já está em você. Tome meu próprio caso. Não fiz nada para realizar-me. Meu mestre me disse que a realidade está dentro de mim; olhei em meu interior e ali a encontrei, exatamente como meu mestre me dissera. Ver a realidade é tão simples como ver o próprio rosto em um espelho. Só que o espelho deve ser claro e verdadeiro. Para refletir a realidade, é necessária uma mente quieta, não distorcida por desejos e medos, livre de ideias e opiniões, clara em todos os níveis. Seja claro e calmo, desapegado e atento, e tudo acontecerá por si mesmo.

P: Você teve que limpar e acalmar sua mente antes de entender a verdade. Como o fez?

M: Não fiz nada. Simplesmente aconteceu. Vivi minha vida cuidando das necessidades de minha família. Nem o fez meu Guru. Simplesmente aconteceu como ele havia me dito que aconteceria.

P: As coisas não acontecem simplesmente. Deve haver uma causa para tudo.

M: Tudo o que acontece é a causa de tudo o que acontece. As causas são inumeráveis; a ideia de uma única causa é uma ilusão.

P: Você deve ter feito algo específico – alguma meditação ou Ioga. Como pode dizer que a realização acontecerá por si mesma?

M: Nada específico. Simplesmente vivi minha vida.

P: Estou surpreso!

M: Assim estava eu. Mas de que deveríamos nos surpreender? As palavras de meu mestre tornaram-se realidade. E daí? Ele me conheceu melhor do que eu próprio me conhecia, isso é tudo. Por que buscar causas? No princípio eu dava alguma atenção e tempo ao sentido ‘Eu sou’, mas só no princípio. Logo depois meu Guru morreu e eu segui vivendo. Suas palavras provaram ser verdadeiras. Isso é tudo. Tudo é só um processo. Você tende a separar as coisas no tempo e então busca as causas.

P: Qual é seu trabalho agora? O que você está fazendo?

M: Você imagina que o ser e o fazer são idênticos. Não é assim. A mente e o corpo se movem e mudam, e induzem outros corpos e mentes a que se movam e mudem, e a isso se chama fazer, ação. Eu vejo que está na natureza da ação criar mais ação, como o fogo que continua queimando. Eu nem atuo nem causo o atuar dos demais; sou eternamente consciente do que está ocorrendo.

P: Em sua mente, ou também em outras mentes?

M: Só há uma mente, fervilhando com ideias: ‘Eu sou isto, eu sou aquilo, isto é meu, aquilo é meu’. Eu não sou a mente, nunca fui, nem serei.

P: Como surgiu a mente?

M: O mundo consiste em matéria, energia e inteligência. Elas se manifestam de muitas maneiras. O desejo e a imaginação criam o mundo, e a inteligência reconcilia os dois, causando um sentido de harmonia e paz. Para mim, tudo isto acontece; estou consciente, todavia não afetado.

P: Você não pode ser consciente e, ainda assim, não afetado. Há uma contradição nos termos. A percepção é mudança. Uma vez experimentada uma sensação, a memória não lhe permitirá regressar ao estado anterior.

M: Sim, o que se acrescenta à memória não pode ser apagado facilmente. Mas pode seguramente ser feito e, de fato, eu o estou fazendo todo o tempo. Como um pássaro voando, eu não deixo marcas.

P: A testemunha tem nome e forma, ou está além deles?

M: A testemunha é meramente um ponto na Consciência. Não tem nome nem forma. É como o reflexo do sol em uma gota de orvalho. A gota de orvalho tem nome e forma, mas o pequeno ponto de luz é causado pelo sol. A claridade e a perfeição da gota são condições necessárias, mas não suficientes por si mesmas.  De modo similar, a claridade e o silêncio da mente são necessários para que o reflexo da realidade apareça na mente, mas por si mesmos não bastam. A realidade deve estar além deles. Porque a realidade está presente eternamente, a ênfase está nas condições necessárias.

P: Pode ocorrer que a mente esteja clara e quieta e ainda assim não aparecer nenhum reflexo?

M: Há o destino a considerar. O inconsciente está nas garras do destino; é o destino, de fato. Pode ser que se deva esperar. Mas, por mais pesada que seja a mão do destino, ela pode ser levantada mediante a paciência e o autocontrole. A integridade e a pureza eliminam os obstáculos, e a visão da realidade aparece na mente.

P: Como alguém ganha autocontrole?  Eu sou tão fraco de espírito!

M: Compreenda primeiro que você não é a pessoa que acredita ser. O que você acredita ser é mera sugestão ou imaginação. Você não tem pais, nunca nasceu, nem nunca morrerá. Ou acredite no que lhe falo, ou chegue a isto mediante o estudo e a investigação. O caminho da fé total é rápido, o outro é lento, mas firme. Ambos devem ser comprovados na ação. Atue no que você pensa que é verdadeiro – este é o caminho da verdade.

P: É a mesma coisa merecer a verdade e o destino?

M: Sim, ambos estão no inconsciente. O mérito consciente é mera vaidade. A consciência é sempre dos obstáculos; quando não há obstáculos se vai além dela.

P: O entendimento de que não sou o corpo dar-me-á a força de caráter necessária ao autocontrole?

M: Quando você sabe que não é nem o corpo nem a mente, não será influenciado por eles. Você seguirá a verdade para onde ela o levar, e faça o que for necessário fazer, qualquer que seja o preço a pagar.

P: A ação é essencial para a autorrealização?

M: O entendimento é essencial para a realização. A ação é somente secundária. Um homem de entendimento firme não evitará a ação. A ação é o teste da verdade.

P: São necessários os testes?

M: Se você não se testar todo o tempo, não será capaz de distinguir entre a realidade e a fantasia. A observação e o raciocínio íntimo ajudam em certa medida, mas a realidade é paradoxal. Como você sabe que se realizou a menos que observe seus pensamentos e sentimentos, palavras e ações e se admire das mudanças que lhe ocorrem sem que você saiba por que e como? É exatamente porque são tão surpreendentes que você sabe que são reais. O previsto e o esperado raramente são verdadeiros.

P: Como surge a pessoa?

M: Exatamente como uma sombra aparece quando a luz é interceptada pelo corpo, assim surge a pessoa quando a pura autoconsciência é obstruída pela ideia ‘Eu sou o corpo’. E, do mesmo modo que a sombra muda de forma e posição segundo a inclinação do terreno, assim também a pessoa parece alegrar-se e sofrer, descansar e trabalhar, ganhar e perder, segundo o padrão do destino. Quando não há mais corpo, a pessoa desaparece completamente e sem retorno, só restam a testemunha e o Grande Desconhecido.
     A testemunha é esta que diz ‘Eu sei’. A pessoa diz ‘Eu faço’. Agora, dizer ‘Eu sei’ não é falso – é meramente limitado. Mas dizer ‘Eu faço’ é totalmente falso, porque não há ninguém que faça; tudo acontece por si mesmo, incluindo a ideia de ser um agente.

P: Então, o que é ação?

M: O universo está cheio de ação, mas não há nenhum ator. Há inumeráveis pessoas pequenas, grandes e muito grandes, as quais, mediante a identificação, imaginam-se agindo, mas isto não muda o fato de que o mundo da ação (mahadakash) seja um só todo no qual tudo dependa de tudo e tudo afete tudo. As estrelas nos afetam profundamente, e nós afetamos as estrelas. Retroceda a ação à consciência, deixe a ação ao corpo e à mente; é seu domínio. Permaneça como a pura testemunha, até que mesmo o testemunhar se dissolva no Supremo.
    Imagine uma selva espessa cheia de pesados troncos. Dos troncos se molda uma tábua e um pequeno lápis para escrever sobre ela. A testemunha lê o escrito e sabe que, enquanto o lápis e a tábua estão pouco relacionados à selva, a escrita não tem nada a ver com ela. Está totalmente sobreposta, e sua desaparição simplesmente não tem importância. A dissolução da personalidade sempre é seguida de um sentido de grande alívio, como se uma pesada carga houvesse caído.

P: Quando você diz que eu estou no estado além da testemunha, que experiência lhe faz dizer isto? De que forma difere da etapa de ser apenas a testemunha?

M: É como lavar um pano estampado. Primeiro desaparece o desenho, logo o fundo e, ao final, o pano é de um branco comum. A personalidade cede lugar à testemunha, logo a testemunha desaparece, e a pura Consciência permanece. O pano era branco no princípio e será branco no final; os desenhos e as cores simplesmente ocorreram – por um tempo.

P: Pode haver Consciência sem um objeto da Consciência?

M: À Consciência com um objeto nós chamamos testemunhar. Quando também há autoidentificação com o objeto, causada pelo desejo ou pelo temor, tal estado se chama uma pessoa. Na realidade, só há um estado; quando está distorcido pela autoidentificação, ele é chamado uma pessoa, quando colorido pelo sentido de ser, é a testemunha; quando é incolor e ilimitado, é chamado o Supremo.

P: Eu me acho sempre inquieto, desejando, esperando, buscando, encontrando, gozando, abandonando e buscando de novo. O que me mantém interessado?

M: Você está realmente buscando a si mesmo sem sabê-lo. Tem ânsias de amar o que é digno de amor, o perfeitamente adorável. Devido à ignorância, você o busca no mundo dos opostos e das contradições. Quando você o achar interiormente, a busca terá acabado.

P: Sempre haverá este mundo triste para enfrentar.

M: Não antecipe. Você não sabe. É verdade que toda manifestação está nos opostos. Prazer e dor, bom e mau, alto e baixo, progresso e retrocesso, descanso e luta – todos vêm e vão juntos – e, enquanto houver um mundo, suas contradições sempre existirão. Pode haver períodos de harmonia perfeita, ou de felicidade e beleza, mas só por um tempo. O que é perfeito retorna à origem de toda perfeição, e os opostos entram em jogo.

P: Como alcançarei a perfeição?

M: Mantenha-se quieto. Faça seu trabalho no mundo, mas, internamente, mantenha-se quieto. Então tudo virá a você. Não confie em seu trabalho para realizar-se. Isto pode ser proveitoso para outros, mas não para você. Sua esperança está em manter a mente silenciosa e o coração sossegado. As pessoas realizadas são muito quietas.


De: "Eu Sou Aquilo" - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" 


domingo, 13 de março de 2011

A Natureza do Sono Profundo






Entre os muitos visitantes que vêm para encontrar Maharaj há alguns que, talvez devido a uma linha comum de estudo ou orientação, encontram-se presos a um ponto particular de compreensão. Buscam, invariavelmente, esclarecê-lo. Para um certo grupo de pessoas, o problema está centrado em torno da natureza do estado de sono profundo.
          Eles haviam entendido – ou mais provavelmente, haviam entendido errado o que lhes havia sido dito – que o estado de sono profundo era, de fato, o estado ‘supremo’, ou nosso estado original, e estavam bastante agitados quando ouviram de Maharaj que nada poderia estar mais longa da verdade. Como poderia o estado de sono profundo, Maharaj lhes perguntou, o qual se alterna com o estado de vigília na consciência, ser nosso verdadeiro estado? A própria consciência está limitada pelo tempo, e depende do corpo feito de alimento para sua manifestação e sustento. O estado de sono profundo é, portanto, uma condição física com uma duração, e se alterna com o estado de vigília. A razão pela qual ele é confundido com a Consciência não-objetiva – onde a Consciência não está consciente de si mesma – é que, durante o sono profundo, a consciência, temporariamente, retira-se para descansar. A diferença importante a notar é que o estado de sono profundo é similar à Consciência apenas na medida em que, então, a consciência não está consciente de si mesma. Contudo, este estado estará, imediatamente, ‘em movimento’, na medida em que tenha uma duração, depois da qual o estado de vigília aparece novamente.
          Tudo o que se pode dizer é, acrescentou Maharaj, que o sentido de presença, que está presente durante o estado de vigília, estará ausente no sono profundo. O estado da Consciência – o que verdadeiramente somos – por outro lado, é tanto a total ausência de presença quanto da ausência do sentimento de presença. Esta é distinção crucial.
          É uma medida da força do condicionamento conceitual o fato de que as pessoas que supõem terem alcançado um alto nível espiritual (seja o que for que isto signifique!) não possam facilmente aperceber-se desta distinção básica entre sono profundo e Consciência feita por Maharaj. Era penoso ver Maharaj demolindo seus conceitos um após o outro, conceitos que haviam sustentado por tanto tempo e com todo o coração, os quais estavam, obviamente, pouco dispostos a abandonar. Mas isto era claramente necessário. Com seu incontido senso de humor, Maharaj comparou o estado da mente dos questionadores com aquele de um milionário que é informado que todos os seus milhões, repentinamente, perderam totalmente seu valor.
          Maharaj lançou mais luz sobre o assunto ao explicar que tanto o estado de vigília quanto o estado de sono profundo são períodos alternados na consciência-em-manifestação. Se isto fosse claramente entendido, disse ele, não haveria nenhuma confusão. Cem anos atrás – Maharaj perguntou ao chefe do grupo –, você estava interessado no sono profundo? Necessitava dormir? Agora, quando a consciência se manifestou em um aparato físico, você poderia continuar sem o sono profundo por qualquer extensão de tempo? Sono profundo, consciência, estado de vigília e duração no tempo constituem o mesmo conceito associado com a manifestação. Como poderia ser equiparado à Consciência Não-manifestada, a qual é atemporalidade, pura subjetividade sem o mais leve toque de objetividade?


De "Sinais do Absoluto" 



Não Subestime a Atenção





Pergunta: Como eu o vejo, você parece ser um homem pobre, com meios muito limitados, enfrentando todos os problemas da pobreza e da velhice, como os demais homens.

Maharaj: Se eu fosse rico, que diferença isto faria? Eu sou o que eu sou. De que outra maneira poderia ser? Não sou rico nem pobre, sou eu mesmo.

P: Ainda assim, você também experiencia prazer e dor.

M: Experiencio-os na consciência, mas não sou nem a consciência nem seu conteúdo.

P: Você diz que, em nosso ser real, somos todos iguais. Como é que sua experiência é tão diferente da nossa?

M: Minha experiência real não é diferente. O que difere é minha atitude e minha avaliação. Eu vejo o mesmo mundo que você vê, mas não do mesmo modo. Não há nada de misterioso nele. Todos veem o mundo através da ideia que têm de si mesmos. Segundo o que acredita que você é, assim pensará que o mundo é. Se você se imaginar como separado do mundo, o mundo aparecerá como separado de você, e você experienciará o desejo e o medo. Eu não vejo o mundo como separado de mim e, portanto, não há nada a desejar ou temer.

P: Você é um ponto de luz no mundo. Nem todo mundo o é.

M: Não há absolutamente nenhuma diferença entre mim e os demais, exceto em que eu me conheço como eu sou. Eu sou tudo. Sei disto com toda a certeza e você não.

P: Portanto dá no mesmo se diferimos ou não.

M: Não, não fazemos assim. A diferença está apenas na mente e é temporária. Eu era como você, você será como eu.

P: Deus fez um mundo muito diversificado.

M: A diversidade só existe em você. Veja-se como é e verá o mundo como ele é – um só bloco de realidade, indivisível, indescritível. Seu próprio poder criativo projeta sobre ele uma imagem e todas suas perguntas se referem a essa imagem.

P: Um Iogue tibetano escreveu que Deus cria o mundo com um propósito e o governa de acordo com um plano. O propósito é bom e o plano, muito sábio.

M: Tudo isto é temporário; eu estou tratando com o eterno. Os deuses e seus universos vêm e vão, os avatars se sucedem uns aos outros sem cessar e, no final, regressamos à origem. Eu falo apenas da origem atemporal de todos os deuses com todos os seus universos, passados, presentes e futuros.

P: Você os conhece todos? Lembra deles?

M: Quando algumas poucas crianças montam uma brincadeira para divertir-se, o que há aí para ver e recordar?

P: Por que a metade da humanidade é masculina e a outra feminina?

M: Para a felicidade de todos. O impessoal (avyakta) se converte no pessoal (vyakta) para que haja felicidade na relação. Pela graça de meu Guru, posso ver, com o mesmo olho, tanto o impessoal quanto o pessoal. Ambos são um para mim. Na vida, o pessoal se funde ao impessoal.

P: Como o pessoal emerge do impessoal?

M: Os dois são apenas aspectos da única realidade. Não é correto dizer que um precede o outro. Todas estas ideias pertencem ao estado de vigília.

P: O que traz o estado de vigília?

M: Na raiz de toda a criação repousa o desejo. O desejo e a imaginação promovem e reforçam um ao outro. O quarto estado (turiya) é um estado de puro testemunhar, de consciência desapegada, sem paixão e sem palavras. É como o espaço que não é afetado pelo que quer que ele contenha. Os problemas corporais e mentais não o alcançam – eles estão fora, ‘lá’, enquanto a testemunha está sempre ‘aqui’.

P: Que é o real, o subjetivo ou o objetivo? Estou inclinado a crer que o universo objetivo é o real e que minha psique subjetiva é mutável e transitória. Você parece reivindicar a realidade de seus estados internos subjetivos e negar toda realidade ao mundo externo, concreto.

M: Ambos, o objetivo e o subjetivo são mutáveis e transitórios. Não há nada real neles. Encontre o permanente no efêmero, o único fator constante em toda experiência.

P: Qual é este fator constante?

M: Que eu lhe dê vários nomes e designe de diversos modos não o ajudará muito, a menos que você tenha a capacidade de ver. Um homem de pouca visão não verá o papagaio no ramo de uma árvore por muito que o incite a olhar. No melhor dos casos verá o seu dedo apontando. Antes de tudo, purifique sua própria visão, aprenda a ver em vez de encarar, e você perceberá o papagaio. Também, você deve estar ávido para ver. Você necessita tanto claridade quanto seriedade para chegar ao autoconhecimento. Você necessita maturidade de coração e de mente, a qual vem através da séria aplicação na vida diária do pouco que você entendeu. Na Ioga não há compromissos.
      Se quiser pecar, peque de todo o coração e abertamente. Os pecados também têm suas lições a ensinar ao pecador sincero, como as virtudes – ao santo sincero. É a mescla dos dois que resulta tão desastrosa. Nada pode bloquear-lhe tão eficazmente como o compromisso, pois lhe falta sinceridade, sem a qual nada pode ser feito.

P: Aprovo a austeridade, mas, na prática, gosto decididamente da vida luxuosa. O hábito de perseguir o prazer e de fugir da dor está tão enraizado em mim que todas minhas boas intenções – bastante vivas no nível teórico – não encontram raízes em minha vida diária. Dizer-me que não sou honesto não me ajuda, porque simplesmente não sei como me tornar honesto.

M: Você não é honesto nem desonesto – dar nome a estados mentais só serve para expressar sua aprovação ou desaprovação. O problema não é seu – é apenas de sua mente. Comece por dissociar-se de sua mente. Recorde-se resolutamente que você não é a mente, e que seus problemas não são seus.

P: Posso dizer a mim mesmo: ‘Não sou a mente, não me interessam seus problemas’, mas a mente continua existindo e seus problemas seguem sendo os mesmos. Não me diga agora, por favor, que é porque não sou suficientemente sério e que deveria ser mais honesto! Já o sei e admito, e apenas lhe pergunto – como isto é feito?

M: Pelo menos pergunta! É suficiente para começar. Continue refletindo, perguntando-se, desejando encontrar um caminho. Seja consciente de si mesmo, observe sua mente, dê a ela toda sua atenção. Não busque resultados rápidos; pode ser que não note nenhum. Sem que você o saiba, sua psique empreenderá uma mudança, haverá mais claridade em seu pensamento, caridade em seu sentimento, pureza em sua conduta. Você não tem que tratar de consegui-las, ainda assim você testemunhará a mudança. Pois o que você é agora é o resultado da falta de atenção, e o que virá a ser será fruto da atenção.

P: Por que a mera atenção faz toda a diferença?

M: Até agora sua vida foi obscura e inquieta (tamas e rajas). A atenção, o estado de alerta, a Consciência, a claridade, a viveza, a vitalidade, todas são manifestações de integridade, de unidade com sua verdadeira natureza (sattva). A natureza de sattva é reconciliar e neutralizar rajas e tamas, e reconstruir a personalidade de acordo com a verdadeira natureza do eu. Sattva é o servente fiel do eu, sempre atento e obediente.

P: E deverei chegar a isto através da mera atenção?

M: Não subestime a atenção. Ela significa interesse e também amor. Para conhecer, fazer, descobrir, ou criar, você deve dar o seu coração a ela – o que significa atenção. Todas as bênçãos fluem dela.

P: Você nos aconselha a concentrar-nos no ‘Eu sou’. Isto também é uma forma de atenção?

M: O que seria, se não isto? Dê toda sua atenção ao mais importante de sua vida – você mesmo. De seu universo pessoal, você é o centro; sem conhecer o centro, o que poderia conhecer?

P: Mas como conhecer a mim mesmo? Para conhecer-me, tenho que estar distante de mim mesmo. Mas o que está distante de mim mesmo não pode ser eu. De modo que parece que não posso conhecer-me, só o que tomo por mim mesmo.

M: Correto. Assim como não pode ver o seu rosto senão apenas como um reflexo no espelho, do mesmo modo só poderá conhecer sua imagem refletida no espelho imaculado da Consciência pura.

P: Como posso obter esse espelho imaculado?

M: Obviamente, retirando as manchas. Veja as manchas e remova-as. O ensinamento antigo é totalmente válido.

P: Que é visão e o que é remoção?

M: A natureza do espelho perfeito é tal que você não pode vê-lo. Qualquer coisa que veja será necessariamente uma mancha. Afaste-se dela, abandone-a, veja-a como algo que não quer.

P: Tudo o que se percebe são manchas?

M: Tudo são manchas.

P: O mundo inteiro é uma mancha.

M: Sim, é.

P: Que horror! De modo que o universo não tem valor?

M: Tem um valor tremendo. Por ir além do universo, você percebe seu próprio ser.

P: Mas por que ele surgiu em primeira instância?

M: Você saberá quando terminar.

P: Isto irá acabar?

M: Para você, sim.

P: Quando começou?

M: Agora.

P: Quando terminará?

M: Agora.

P: Agora não termina?

M: Você não deixa que termine.

P: Quero que termine.

M: Não, não quer. Toda sua vida está conectada com o universo. O passado e o futuro, seus desejos e seus temores, todos têm suas raízes no mundo. Sem o mundo onde você está, quem é você?

P: Mas isso é exatamente o que acabo de descobrir.

M: E eu estou lhe dizendo exatamente isto: encontre um ponto de apoio além e tudo será fácil e claro.

De: "Eu Sou Aquilo" = Editora Advaita


 

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