Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

domingo, 12 de dezembro de 2010

O colar de pérolas de sua história pessoal


Pergunta: Repentinamente, encontrei-me livre de uma tensão, a qual não me deixava, embora muitas vezes tenha tentado de muitas maneiras libertar-me dela. Agora, embora nada tenha feito, ela se foi. Por que foi desta maneira? Por que abandonei, ou porque me esforcei duramente antes?

Karl: O que quer que possa ser abandonado ou mantido, o que quer que possa ser feito ou não, levou voce a isto. Cada passo foi o passo certo para alcançar esse ponto, mas onde seus pés iriam pisar, nunca foi uma decisão sua. Cada passo é o resultado de uma inter-relação infinita. Todas as coisas são relacionadas condicionalmente a outras. Cada momento é uma pérola em um amontoado infinito de perolas, onde cada uma é dependente das demais.

P: Ou um colar de pérolas.

K: O colar seria uma história pessoal. Mas o passado é essencial para o futuro? Ou é simplesmente uma inter-relação na qual tudo existe simultaneamente, nunca vindo e nunca indo? Um colar é um cordão individual de pérolas. Algumas pérolas foram selecionadas e unidas, uma depois da outra, como momentos pessoais. Alguém as pendura em torno do pescoço e diz: “Meu colar...minha história... meu passado...meu futuro...minha vida!”. Tal colar é pesado, muito pesado! Mesmo para um ‘eu’, ele é insuportável. É por isto que o ‘eu’ constantemente mexe com ele, para fazê-lo mais belo e delicado; para brilhar mais ou mesmo, talvez, mais discretamente, para que pareça menos óbvio!

P: Até que o ‘eu’, finalmente, abandone o colar.

K: Para o ‘eu’ é impossível abandoná-lo. Ele não pode deixá-lo ir. O colar existe porque o ‘eu’ existe.
E o ‘eu’ existe apenas por causa do colar. São pré-requisitos inseparáveis um do outro.

P: Então há apenas uma possibilidade – devem desaparecer simultaneamente.

K: A única possibilidade é perceber que eles nunca existiram, nem o ‘eu’ nem o colar.

P: Você quer dizer que não há nenhuma história pessoal, nenhuma sequência de momentos?

K: Você é aquilo que é sem sequência e sem condição. Não é divisível em momentos. Não é parte de nada. É sempre anterior a tudo.

P: Nem mesmo um amontoado de pérolas?

K: É anterior ao amontoado de pérolas, e alegra-se quando você tropeça nisto.



De: "A Miragem da Iluminação" - Dialogos com Karl Renz.




sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Suzanne Segal

 

"Subitamente fiquei consciente de estar dirigindo atraves de mim mesma.
Por anos não havia havido nenhum eu e, apesar disso, aqui, nessa estrada, cada coisa era eu e eu estava dirigindo atraves de mim mesma para chegar onde eu já estava. Em substancia eu não estava indo a lugar nenhum pois já estava em todo lugar. A infinita vacuidade que eu sabia ser agora aparecia como a infinita substancia de cada coisa que eu via."


(Suzanne Segal)

 

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A verdade total




Em seu estado de perfeição, a Consciência Total
É inconsciente de sua consciência;
Então a consciência se levanta 
num gemido de Aum
e o sonho da criação começa.
É consciente de ser,
E exulta nesta condição de ser.
Imersa no amor do estado de eu sou,
Expressa-se na dualidade.
Através da união do duplo aspecto masculino-feminino,
Através dos cinco elementos:
Espaço, ar, fogo, água e terra,
Através dos três Gunas:
Sattva, Rajas e Tamas
Manifesta-se na duração.
No sonho do espaço-tempo
Manifesta-se como fenômeno,
Criando milhões de formas,
Soprando nelas a força da vida
e  a consciência imanente que a tudo permeia;
Através destas formas, em regozijoso amor por si mesma,
a consciência funciona como Prajna.
Os seres sensíveis – meras imagens,
Assim concebidos – maravilha das maravilhas! –
Como objetos uns aos outros se percebem,
assumindo a subjetividade por si mesmos,
Cada um, em maravilhosa ilusão,
Vê-se como entidade separada,
Com julgamento e vontade independentes.
Cada um esquece seu potencial ilimitado
como Numeno Absoluto, 
e aceita sua identidade limitada como aparencia,                
Um mero fenômeno;
Cada um toma o funcionamento de Prajna
Como suas próprias ações pessoais,
Ata-se a uma escravidão ilusória.
E ‘sofre’ dores e prazeres!
Aparece, então, o Guru misericordioso,
Pleno de Graça e Luz divina,
E mostra a ele o que é realmente:
Aquilo que ele acredita ser
Nada mais é que um ovulo
Fecundado no útero da mãe,
No qual está latente a luz da sensibilidade
A noção de "eu sou", a consciência que ele é.
Com milhares de nomes designados,
Rama, Krishna, Ishwara, Brahman,
É o mesmo estado de "eu sou";
A luz da consciência, Mahamaya,
Em grandiosa ilusão, confunde
Sua própria natureza e a conduz erradamente.
Até que o Guru diga: Pare, veja a si mesmo
Como você é, em sua verdadeira glória.
Sobre seu estado original atemporal,
A numenalidade Absoluta, apareceu
Como uma doença temporária, o corpo-com-consciência,
Espontaneamente, sem causa ou razão,
como parte do funcionamento de Prajna.
E se desenvolve pelo seu tempo de vida
Até que, também espontaneamente desapareça –
e a consciência, não mais consciente de si mesma,
Funde-se na Consciência – ninguém nasce, ninguém morre.
Diz Nisargadatta Maharaj
De maneira simples e direta:
O que você era antes de adquirir o corpo?
Volte para a origem; permaneça tranquilo, e então
O buscador desaparecerá e
se fundirá na busca.
Não mais consciente da Consciência,
na Totalidade e unicidade, 
Eu sou sem dualidade.
Com penetração e intuição,
Com profunda convicção, facil de apreender.
Isto-Que-É está além dos limites do intelecto.
Só a objetiva e a fenomênica –
presença ou ausência – o Intelecto poderá compreender.
Mas o que-Eu-sou não é presença nem ausência;
Ausência da presença da presença,
Ausência da presença da ausência,
É o que-Eu-sou.



De: Pointers from Nisargadatta - "Sinais do Absoluto" 



quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Além da necessidade de ulterior ajuda







"Nisargadatta Maharaj me disse que a única maneira de ajudar alguem é levá-lo além da necessidade de ulterior ajuda, e ele fez isso, mostrando-me que eu não era esse corpo e mente. - Ele não podia mostrar-me ou explicar-me o que é a verdade ou a realidade de todas as coisas, porque Isso não pode ser colocado em palavras ou visto como um objeto. - Eu tive que fazer meu próprio trabalho interior e ver a Verdade por mim mesmo. - Veja e reconheça essa consciência presente que voce não pode negar ou agarrar e você também estará além da necessidade de ulterior ajuda. - Nenhum guru new age, mestre espiritual ou o professor exterior pode fazer isso por você, você tem que ver por si mesmo..."



"Gleanings From Nisargadatta" - Mark West




terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nunca houve alguém feliz



Pergunta: Algumas vezes eu tenho a impressão de que há apenas infelicidade nesse mundo.

Karl: Quem é este que tem esta impressão?

P: Eu tenho. Isto me deixa deprimido.

K: Seja o que você é. Então você se sentirá bem, sempre. Já que na ausência de um ‘eu’, não há ninguém que possa se sentir infeliz.  Alguem feliz sempre terá o temor de se tornar infeliz. A felicidade relativa sempre o impulsiona novamente para a infelicidade. Sim: a felicidade relativa deste mundo é sinônimo de infelicidade. Há apenas infelicidade neste mundo! Você está certo.

P: Dificilmente isto me consola.

K: É por isto que Jesus não disse: “Trago a paz e o amor para o mundo”. Em vez disto, ele disse o oposto: “Eu lhe mostro que o mundo não pode faze-lo feliz. Não há paz neste mundo. Há apenas infelicidade. Ninguém já foi feliz neste mundo.”

P: Pare com isso!

K: Sempre lhe perguntavam por que, como  filho de Deus, ele não poderia governar e trazer a felicidade eterna, o paraíso sobre a terra, porque ele não tinha a onipotência de Deus. Sua resposta era: “Que os mortos enterrem os mortos”.
O mundo está morto. Quem se importa com o que ele parece? Que o mortos se ocupem dos mortos. O mundo é apenas um fenômeno, uma ideia sua, não mais vivo que um sonho ou um pesadelo, o qual parece real apenas enquanto ninguém pisa no seu pé.
“Oh, isto, afinal, não era real de modo algum: este terrível perseguidor ou este infinito abismo, dentro do qual eu simplesmente caio, gritando!”
Não, não era real e não é real. Real é o que você é, e sua felicidade não depende do sonho.

P: Mas, afinal, eu sou um filho deste tempo e não posso negar ...

K: Não, você não é um filho deste tempo. O tempo é filho seu! Você é a fonte do tempo. Toda manhã, quando você abre seus olhos, você cria o mundo. O corpo desperta, não você. O estado desperto que você é já está presente. Ele nunca dormiu. Seja este estado desperto. Ele é de qualquer maneira o que você é. Você é aquilo que é anterior ao ‘eu’ e ao mundo, mas você acredita em seu intelecto. Você está fascinado por este mundo que ele projeta e imediatamente quer melhorá-lo. Você já é infeliz. Assim, o mundo pode apenas ficar melhor.

P: Como e quando?

K: Você tem um encontro com você mesmo que não pode perder.
Quando? Quando não criar mais tempo. Como? Parando.
A felicidade não jaz em sua projeção do mundo mas, muito mais simplesmente, naquilo que você é. Chame-a natureza de cristo ou natureza de Buda. É isto que você é.
Você mesmo é o não nascido, o imortal.
Sua natureza é felicidade.


De: "A Miragem da Iluminação e outros erros conceituais" dialogos com Karl Renz. 




sábado, 23 de outubro de 2010

A Alegria sem Objeto





 



Em alguns momentos, a sós conosco mesmos, experimentamos uma imensa carência interior.
É a motivação-mãe que gera as demais. A necessidade de preencher esta carência, de apagar esta sede, nos leva a pensar, a agir. Sem sequer interrogá-la, fugimos de nossa insuficiência, tratamos de preenchê-la às vezes com um objeto, às vezes com um projeto, e logo, decepcionados, corremos de uma compensação à seguinte, indo de fracasso em fracasso, de sofrimento em ofrimento, de guerra em guerra. 
Este é o destino do homem comum, de todos os que aceitam com resignação esta ordem de coisas que julgam inerente à condição humana.
Observemos de mais perto. 
Enganados pela satisfação que nos proporcionam os objetos, chegamos a constatar que causam saciedade e, até mesmo, indiferença: nos preenchem num momento, nos levam à não carência, nos devolvem a nós mesmos e logo nos cansam; perderam sua magia evocadora. Portanto, a plenitude que experimentamos não se encontra neles, está em nós; durante um momento o objeto tem a faculdade de suscitá-la e tiramos a conclusão equivocada de que ele foi o artesão desta paz.  
O erro consiste em considerar este objeto como uma condição 'sine qua non' da dita plenitude.
Durante estes períodos de alegria, esta existe em si mesma, não há nada mais. Logo, referindo-nos a essa felicidade, a superpomos a um objeto que, segundo acreditamos, foi o que a ocasionou.
Portanto, objetivamos a alegria (transformamos a alegra em um objeto).
Se constatarmos que esta perspectiva na qual nos situamos só pode dar uma felicidade efêmera, incapaz de nos proporcionar aquela paz duradoura que está dentro de nós mesmos, compreendemos, por fim, que, no momento em que alcançamos o equilíbrio, nenhum objeto o causou; a última satisfação, alegria inefável, inalterável, sem motivo, está sempre presente em nós; o que ocorre é que estava velada para nossos olhos. 

De: "A Alegria sem Objeto" Dialogos com Jean Klein 


Londres, Novembro de 1982






Quando falamos da observação silenciosa, referimo-nos a um modo de escutar, uma forma de ver, a qual permite o observar em sua expressão direta e não qualificada. No processo da escuta, você pode descobrir que o observador está sempre julgando, criticando, comparando e avaliando. Este discernimento o leva por si só a uma posição na qual você não está envolvido no percebido. Então, uma sensação de espaço se abre entre sua observação e o observado, suscitando a compreensão de que o percebido surge em você, mas você não está limitado a qualquer coisa perceptível. O silêncio é nossa verdadeira natureza.

Então, o próprio pensamento é a raiz do problema?

Geralmente, conhecemos a nós mesmos nas percepções, nos estados. Nós apenas conhecemos a consciência de alguma coisa, a escuta de algo, etc. Nós não conhecemos a consciência pura sem um objeto.
Pensamentos, sentimentos e sensações são objetos da consciência, e não tem existência sem um sujeito que os observa. Visto que o que percebe nunca pode ser percebido, no momento em que um pensamento ou uma percepção aponta para ele, leva-o ao silêncio, ao ser puro, à consciência sem um objeto.

Então, o que é o que percebe?

O que percebe é uma faculdade, uma qualificação, a qual existe no momento em que há uma percepção no espaço-tempo. Sem a percepção, não há tampouco o que percebe. Ambos são movimentos de energia no espaço-tempo, e ambos surgem e se dissolvem novamente na consciência, a única que é atemporal.
O que percebe e o percebido são como ferramentas, instrumentos da consciência.
Tudo o que aparece é uma expressão da consciência.

Encontro realmente, se vir de mais perto, que, ao desejar realização, estou buscando a unidade fundamental ou a segurança, a paz se assim você quiser, euforia, se tiver sorte.... A consciência pura da qual você fala tem alguma destas qualidades?

Não. O que você busca é apenas memória, algo que já conhece e avalia como desejável. Todas estas coisas que você nomeia são atributos, sobreposições sobre a consciência pura. Há um entendimento profundo a ser ganho quando vê que, no momento da obtenção da qualidade desejada, não há nem uma qualidade-objeto nem um sujeito que a experimenta. Neste momento, há apenas unidade não-qualificada. É apenas depois de abandonar esta unidade que você procura uma causa e diz: “A causa desta alegria foi esta qualidade que alcancei”. Mas, no momento da vivência da unidade, não há lugar para qualquer qualidade, para qualquer objeto, seja qual for.

Esta unidade é nosso desejo verdadeiro?

É nosso desejo verdadeiro. Todos os outros desejos aparecem mais ou menos através da falta de discernimento. O desejo é um esforço para obter compensação, a busca de um modo de preencher um sentimento de vacuidade em você mesmo. Assim, quando, por um momento, o esforço termina e o objeto desejado é obtido, há um instante em que você vive em unidade, na satisfação final, mas esta satisfação não tem causa. E este instante nem mesmo pode ser chamado de um instante, pois é atemporal.

O que então é o Karma, o qual é produzido pela relação de causa e efeito?

No momento em que você vive sem qualquer programação, sem uma imagem ou uma idéia de ser alguém, não há Karma. A quem pertenceria o Karma? Remova o problema do Karma. Abandone-o completamente. A idéia lhe dá um apoio à existência de alguém que não existe. Quando você está completamente silencioso, onde está a imagem de ser alguém? Quando o reflexo de identificação com uma imagem desaparece, há a certeza de que a entidade pessoal não existe. Há apenas unidade. Então você está livre do Karma, pois o Karma pertence a alguém. Mas, quando você adiciona uma imagem de uma personalidade, de um homem, ou de ser isto ou aquilo, neste momento, você está ligado ao Karma.

Você poderia dar-me um exemplo concreto do que significa identificar-se com uma imagem?

Observe que desde a manhã até à noite você busca constantemente localizar-se. Você tem uma necessidade de localizar-se em algum lugar, seja na sensação corporal, na emoção, ou em uma idéia. Mas, quando você aceita que não pode encontrar a si mesmo, seu Eu verdadeiro, dentro de nenhuma percepção, o processo de produção cessa. Você deixa de criar idéis, imagens e situações.
Você deve viver na abertura sem qualquer memória. Isto significa que você está aberto completamente à vida, a tudo o que vier. E, desde que nesta abertura não há memória, nem reação, você está alerta completamente a cada momento para o frescor e para a novidade da vida. Não há mais repetição.

A mais próxima experiência do silêncio de que você fala é o sentimento e a satisfação do amor?

O silêncio é o plano de fundo de tudo o que acontece, de tudo o que aparece e desaparece. É o amor não-qualificado, o amor que não tem necessidade de qualquer estímulo. Estimula-se a si mesmo por si mesmo.
No momento em que você vive conscientemente na unidade, não há “outros”. Há apenas Eu. Isto é amor. Mas, quando você se toma por alguém, todas as relaçãoes são de objeto para objeto, de homem para mulher, de mão para filho, de personalidade a personalidade. E, aí, não há comunhão, não há possibilidade de amor.

Você diz que devemos aceitar a nós mesmos, a nossos corpos, capacidades, personalidades, e assim por diante. O que acontece depois disto?
Quando realmente você aceitou a si mesmo – e quero dizer que você aceitou de forma funcional, não psicológica – você sentirá um espaço entre sua posição de aceitação e tudo o que você aceitar. Esta sensação de espaço entre sua natureza real e sua imagem projetada é muito importante. Na aceitação de tudo o que aparece, você está livre dele. No começo, você se sente livre do que aceita, mas, mais tarde, você se verá a si mesmo na própria aceitação.

Na aceitação, há alguma noção de bem e de mal?

Bem e mal são projeções de idéias pré-concebidas, da memória. Cesse de projetar seus desejos e medos sobre o que você vê. Toma as coisas como são. Você deve aceitar algo para, realmente, conhecê-lo. Ao aceitar, a ênfase não é sobre o que aceitou, mas sobre a atitude de aceitação. Você descobrirá que você é um com a aceitação.
O que aceita não é um objeto. É uma realidade interior. A aceitação dá liberdade a tudo o que é aceito. O que você verdadeiramente aceita torna-se vivo e tem sua própria história para lhe contar. Mas o problema aqui não é simplesmente aceitar sua personalidade, sua “paisagem”. Esta é simplesmente uma condição preliminar para passar à experiência essencial, a atitude de aceitação em si mesma.

Mas, na vida, é necessário tomar decisões. Como podemos fazer isto se não discernimos?

Você apenas pode realmente tomar decisões quando aceita a situação. Na aceitação, a situação pertence à totalidade, à sua perfeição, e a decisão resulta desta perspectiva global. Não há nada passivo nesta aceitação. É a vigilância suprema. E a decisão resultante é uma ação, não na reação.
Quando vive na abertura e permite que cada situação venha você, você vlui com a verdadeira corrente da vida. Se você impõe o ego sobre cada acontecimento para de alguma forma controlá-lo, você percebe que não está de acordo com esta corrente de vida. A reação e a luta começam; você diz: “Tenho isto e gosta daquilo”. Este é um estado de conflito. Na aceitação, você vive simplesmente aqui onde está.


De: "A Simplicidade de Ser" Dialogos com Jean Klein



domingo, 17 de outubro de 2010

As palavras e sua realização







Era uma manhã na qual, talvez, Maharaj sentia sua fraqueza física um pouco mais que o habitual. Podia-se claramente perceber os efeitos inexoráveis da doença terrível em seu corpo, apesar de seu espírito indomável. Ele parecia frágil e exausto.
Sentou-se em seu lugar de sempre, totalmente quieto, quase imóvel, completamente esquecido da dor que, certamente, era muito intensa. Então, começou a falar de forma serena, suavemente; tinha-se que se concentrar bastante para captar suas palavras.
O que vêem, disse Maharaj, como minha presença enquanto fenômeno significa minha ausência como númeno. Numenicamente, não posso ter nem presença nem ausência, pois ambos são conceitos. O sentido de presença é o conceito que transforma a unicidade do Absoluto na dualidade do relativo. Não-manifesto, eu sou o potencial que, na manifestação, torna-se o atual.
Eu me pergunto, continuou Maharaj, se estas palavras dizem algo a vocês; são meras palavras? Certamente, não duvido de sua sinceridade. Vocês vêm aqui – muitos de lugares distantes e com gastos consideráveis – e dedicam bastante tempo em sentar no chão, o que muitos de vocês não estão acostumados a fazer; e certamente parecem estar atentos ao que digo. Mas vocês devem entender que, a menos que haja um tipo particular de receptividade, as palavras só poderiam atingir um propósito muito limitado. Elas poderiam, talvez, aumentar sua curiosidade intelectual e excitar o desejo de conhecimento, mas não revelariam seu verdadeiro significado.
Agora, qual é este tipo especial de receptividade? Aqui, novamente, encontra-se a limitação endêmica da comunicação através de palavras. Significaria alguma coisa para vocês se eu dissesse que ‘vocês’ vieram aqui para escutar-me, mas devem escutar-me tendo como fundamento que este ‘vocês’ é totalmente ilusório, que não há, na realidade, nenhum ‘vocês’ que possa escutar minhas palavras e obter algum benefício! De fato, devo ir mais longe e dizer que, a menos que abandonem seus papéis de ouvintes individuais que esperam algum benefício do que ouvem, as palavras para vocês seriam meros sons vazios. A obstrução que impede a apercepção é que, embora vocês possam se preparar para aceitar a tese de que tudo no universo é ilusório, nesta condição ilusória vocês falham em incluir a si mesmos! Agora, vocês vêem o problema – ou é mais uma piada que um problema?
Quando – permitam-me não dizer ‘se’ – vocês aceitarem este fundamento para o escutar, isto é, abandonarem todo o interesse no ouvinte que deseja ser um indivíduo ‘melhor’ ao escutar estas palavras e que espera ‘trabalhar’ para um melhoramento perceptível, sabem o que acontecerá? Só então, neste estado de escuta intuitiva, quando o ‘ouvinte’não mais se intrometer, as palavras mostrarão e deixarão ver seus mais sutis significados, os quais a mente aberta, ou em ‘jejum’, compreenderá e se aperceberá com uma convicção profunda e imediata. E, então, as palavras terão alcançado, ao menos, sua limitada realização!
Quando o ouvinte permanecer em um estado de suspensão sem se intrometer no escutar como tal, o que de fato acontecerá é que a mente relativa e dividida será automaticamente contida em sua inclinação natural de se envolver na tortuosa interpretação de palavras, e será, por isto, impedida de manter um processo contínuo de objetivação. E, então, a mente total estará habilitada à comunhão direta tanto com o falar quanto com o escutar como tal, e, através disto, a propiciar a Ioga das palavras, permitindo que estas mostrem seus mais íntimos sentidos e significados mais sutis.  




(Sinais do Absoluto)





quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Quem é este que está tecendo essa trama?




Pergunta: Eu estou aqui porque não quero renascer.  

Karl: E, precisamente por causa deste desejo, isto acontecerá.  

P: O quê? 

K: O desejo de evitar algo é sempre o comando que o faz acontecer. 

P: Então, diga-me, como libertar-me deste desejo... 

K: Não, você não pode libertar-se de nada. 

P: ...ou como eu posso sair disto. 

K: Você não pode sair. Mas você pode se devotar a não se libertar de nada, e não sair! Isto é tudo. Isto é autorrealização. A autorrealização está percebendo que você não pode escapar do que você é. Recoste-se e aprecie. Não haverá ninguém mais que possa faze-lo.  

P: Se eu pudesse gozar a vida, eu não estaria aqui.  

K: Você está aqui porque você não tem escolha. Você não pode fazer de outra forma. Você é a liberdade que não tem escolha de como se expressar. Se ela tivesse uma escolha, não seria a liberdade. Aprecie este estado sem escolha, esta inevitabilidade de sua existência. Esta é a apreciação real: ver que você nunca pode mudar o que você é.  

P: Para mim isto é mais ou menos o oposto da apreciação.   

K: Posso apenas dizer a você: aquilo que você é goza cada momento e o oposto de cada momento. Regozija-se completamente. E este que pensa que não está apreciando a si mesmo é também parte da apreciação.  

P: O fato que eu sou parte de algum tipo de gozo não me leva a parte alguma. Quero ser aquele que goza.  

K: Aquilo que você é goza tambem da não apreciação!  


P: Isso parece ser uma trama complicada.  


K: Voce está certo. É uma trama complicada.

P: Obrigado.  

K: Mas quem a tece, a aranha, é você. Você está tecendo a infindável rede de pensamentos cósmicos e formas. O momento virá quando você pensar: “O que significa essa teia? E, de qualquer maneira, quem a tece? Acho que sou eu mesmo que a está tecendo! É isto!”  No despertar do ‘eu’, a trama começou. Você é a fonte desta trama infindável de guerra e paz: toda a teia da criação. Você é o tecedor de cada pensamento e cada forma. Mas, na realização repentina de que você é, toda a teia é sugada de volta. Uma vez que isto seja visto, não há mais nem mundo nem teia.  

P: Você espera que eu o siga?  

K: Não, de forma alguma. Eu não estou aqui para ajudá-lo a entender alguma coisa.  

P: Mas?  

K: Estou sentado aqui de forma que aquele que pensa que pode entender desapareça no não entendimento.  

P: Antes de desaparecer, eu gostaria de receber algumas soluções.  

K: Eu não dissolvo nada. Ao contrário. Eu crio nós.  

P: Sim, eu percebo isto.  

K: Eu não estou aqui para dissolver nós. Eu crio nós. Eu ato tantos nós em seu cérebro que você pode repentinamente perceber que é impossível desfazê-los. Assim você pode abandonar as tentativas e simplesmente se tornar tranquilo. Uma vez que esteja completamente tranquilo, quem se interessa se existiam palavras, ou renascimentos, ou teias, ou nós e dissoluções?




(Karl Renz: Without A Second)



quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Consciência





Pergunta: Toma tempo compreender o Ser, ou o tempo não pode ajudar a compreendê-lo? É a auto-realização só uma questão de tempo ou depende de outros fatores além do tempo?

Maharaj: Toda espera é fútil. Depender do tempo para resolver nossos problemas é enganar-se. O futuro, deixado a si mesmo, meramente repete o passado. A mudança só pode acontecer agora, nunca no futuro.

P: O que produz uma mudança?

M: Veja com claridade cristalina a necessidade de mudança. Isto é tudo.

P: A auto-realização acontece na matéria ou além? Não é uma experiência que depende do corpo e da mente para acontecer?

M: Toda experiência é ilusória, limitada e temporal. Não espere nada da experiência. A realização por si mesma não é uma experiência, embora possa levar a uma nova dimensão de experiências. Apesar disto, as novas experiências, por interessantes que sejam, não são mais reais que as velhas. Definitivamente, a realização não é uma experiência. É o descobrimento do fator eterno em cada experiência. É a Consciência que faz a experiência possível. Exatamente como em todas as cores a luz é o fator neutro, assim também, em cada experiência, a Consciência está presente, embora não seja uma experiência.

P: Se a Consciência não fosse uma experiência, como poderia ser realizada?

M: A Consciência está sempre presente. Não necessita ser realizada. Abra as janelas da mente, e ela será inundada de luz.

P: O que é matéria?

M: O que você não entende é matéria.

P: A ciência compreende a matéria.

M: A ciência meramente empurra para trás as fronteiras de nossa ignorância.

P: E o que é a natureza?

M: A natureza é a totalidade das experiências conscientes. Como ser consciente, você é parte da natureza. Como Consciência, você está além. Ver a natureza como mera consciência é Consciência.

P: Existem níveis de Consciência?

M: Existem níveis na consciência, mas não na Consciência. Ela é um só bloco homogêneo. Seu reflexo na mente é amor e compreensão. Há níveis de claridade na compreensão e de intensidade no amor, não em sua fonte. A fonte é simples e única, mas seus dons são infinitos. Não tome os dons pela fonte. Entenda-se como fonte e não como o rio; isso é tudo.

P: Sou o rio também.

M: Certamente o é. Como o “eu sou”, você é o rio fluindo entre as margens do corpo. Mas também é a fonte e o oceano, e as nuvens do céu. Onde quer que haja vida e consciência, aí estará você. Menor que o menor, maior que o maior, você é, enquanto tudo o mais aparece.

P: O sentido de ser e o sentido de viver são o mesmo ou são diferentes?

M: A identidade no espaço cria um, a continuidade no tempo cria o outro.

P: Você disse uma vez que o que vê, o ver e o visto, são uma só coisa, não três. Para mim, os três estão separados. Não duvido de suas palavras, apenas não as compreendo.

M: Olhe com atenção e verá que o que vê e o visto só aparecem quando há ver. São atributos do ver. Quando você diz “eu estou vendo isto”, o “eu estou” e o “isto” vêm com o ver, não antes. Não pode haver um “isto” não visto nem um “eu” que não veja.

P: Posso dizer: “Eu não vejo”.

M: O “eu estou vendo isto” converteu-se em “eu estou vendo que não vejo” ou em “estou vendo a escuridão”. A visão permanece. Na trilogia: o conhecido, o conhecer e o conhecedor, só o conhecer é um fato. O “eu sou” e o “isto” são duvidosos. Quem conhece? O que se conhece? Não há certeza senão no fato de conhecer.

P: Por que estou certo de conhecer, mas não do conhecedor?
M: Conhecer é um reflexo de sua verdadeira natureza, junto com o ser e o amar. O conhecedor e o conhecido são acrescentados pela mente. Está na natureza da mente criar uma dualidade sujeito-objeto onde não há nenhuma.

P: Qual é a causa do temor e do desejo?

M: Obviamente, a recordação das dores e dos prazeres passados. Não há nenhum grande mistério a respeito. O conflito só surge quando o desejo e o temor se referem ao mesmo objeto.

P: Como pôr um fim à memória?

M: Não é necessário, nem possível. Compreenda que tudo acontece na consciência e que você é a raiz, a origem, o fundamento da consciência. O mundo não é senão uma sucessão de experiências e você é o que as faz conscientes, permanecendo, ainda assim, além de toda experiência. É como o calor, a chama e a madeira que queima. O calor mantém a chama, a chama consome a madeira. Sem o calor, não haveria chama nem combustível. Similarmente, sem Consciência, não haveria nem consciência nem vida, a qual transforma a matéria em veículo da consciência.

P: Você sustenta que, sem mim, não haveria mundo, e que o mundo e meu conhecimento do mundo são idênticos. A ciência chegou a uma conclusão muito diferente: o mundo existe como algo concreto e contínuo, enquanto eu sou um subproduto da evolução biológica do sistema nervoso, o qual é, primariamente, não tanto um centro de consciência como um mecanismo de sobrevivência como indivíduo e como espécie. Sua visão é totalmente subjetiva, enquanto a ciência trata de descrever tudo em termos objetivos. É inevitável esta contradição?

M: A confusão é aparente e puramente verbal. O que é, é. Não é nem subjetivo nem objetivo. A matéria e a mente não estão separadas, são aspectos da mesma energia. Veja a mente como uma função da matéria e você tem a ciência; veja a matéria como o produto da mente e você tem a religião.

P: Mas qual é a verdade? O que vem primeiro, a mente ou a matéria?

M: Nenhuma vem primeiro, pois nenhuma aparece só. A matéria é a forma, a mente é o nome. Juntas fazem o mundo. Impregnar e transcender são Realidade, ser puro – Consciência – bem-aventurança, sua essência verdadeira.

P: Tudo o que conheço é a corrente da consciência, uma sucessão interminável de fatos. O rio do tempo flui, trazendo e retirando implacavelmente. A transformação do futuro em passado continua todo o tempo.

M: Você não é vítima de sua linguagem? Fala sobre o fluxo do tempo como se você fosse estacionário. Mas os fatos testemunhados ontem por você, outra pessoa poderá vê-los amanhã. É você o que está em movimento, não o tempo. Deixe de mover-se e o tempo cessará.

P: O que isso significa – o tempo cessará?

M: O passado e o futuro se fundirão no eterno agora.

P: Mas o que isso significa na experiência real? Como sabe que, para você, o tempo cessou?

M: Pode significar que o passado e o futuro já não importam mais. Também pode significar que tudo o que aconteceu e tudo que acontecerá se convertem em um livro aberto para ser lido à vontade.

P: Posso imaginar uma espécie de memória cósmica, acessível com algum treinamento. Mas como poderia ser conhecido o futuro? O inesperado é inevitável.

M: O inesperado em um nível pode ser algo que seja certo acontecer quando visto de um nível mais alto. Depois de tudo, estamos dentro dos limites da mente. Na realidade, nada acontece, não há passado nem futuro, tudo aparece e nada é.

P: O que significa, nada é? Você se torna vazio, ou vai dormir? Ou você dissolve o mundo e nos mantém a todos em expectativa até que somos devolvidos à vida, com a piscada seguinte de seu pensamento?

M: Oh, não. Não é tão mau assim. O mundo da mente e da matéria, dos nomes e das formas continua, mas não me importa em absoluto. É como ter uma sombra. Está ali, seguindo-me aonde vou, mas sem atrapalhar-me de modo algum. Segue sendo um mundo de experiências, mas não de nomes e formas relacionados comigo pelos desejos e temores. As experiências não têm qualidades, são pura experiência, se assim posso dizer. Chamo-as experiências por falta de uma palavra melhor. São como as ondas sobre a superfície do oceano, sempre presentes, mas sem afetar o seu calmo poder.

P: Você quer dizer que uma experiência pode ser indefinida, sem nome ou forma?

M: No princípio toda experiência é assim. São apenas o desejo e o temor, nascidos da memória, que lhe dão nome e forma e a separam de outras experiências. Não é uma experiência consciente, pois não se opõe a outras experiências, mesmo sendo igualmente uma experiência.

P: Se não fosse consciente, por que falar dela?

M: A maioria de suas experiências é inconsciente. São poucas as conscientes. Você não é consciente do fato porque para você só conta as conscientes. Faça-se consciente do inconsciente.

P: Poderia alguém ser consciente do inconsciente? Como seria feito?

M: O desejo e o temor são os fatores que obscurecem e distorcem. Quando a mente se libera deles, o inconsciente se torna acessível.

P: Quer dizer que o inconsciente se torna consciente?

M: É de preferência o contrário. O consciente se faz um com o inconsciente. A distinção cessa, não importando o modo que você olhar para ele.

P: Estou surpreso. Como se poderia ser consciente e ainda assim inconsciente?

M: A Consciência (awareness) não se limita à consciência (consciousness). Ela é tudo que é. A consciência pertence à dualidade. Não há dualidade na Consciência. É um só bloco de pura cognição. Do mesmo modo, pode-se falar do puro ser e da pura criação – sem nome, sem forma, silenciosos e, ainda assim, absolutamente reais, poderosos, efetivos. A indescritibilidade não os afeta o mínimo. Apesar de inconscientes, são essenciais. O consciente não pode mudar fundamentalmente, só pode modificar-se. Qualquer coisa, para mudar, deve passar pela morte, pelo obscurecimento e pela dissolução. As jóias de ouro devem ser fundidas antes de serem moldadas em outras formas. O que se nega a morrer não pode renascer.

P: Salvo a morte do corpo, como se morre?

M: A morte é recesso, retraimento, abandono. Para viver plenamente, a morte é essencial; cada final constitui um novo começo.
Por outro lado, compreenda que só o morto pode morrer, não o vivo. Isto que está vivo em você é imortal.

P: De onde vem a energia do desejo?

M: O nome e a forma são retirados da memória. A energia flui da fonte.

P: Alguns desejos são totalmente incorretos. Como podem os desejos incorretos fluir de uma fonte sublime?

M: A fonte não é nem correta nem incorreta. Nem o é o desejo em si mesmo. Não é senão o esforço por ser feliz. Tendo-se identificado com a poeira de um corpo, sente-se perdido e busca desesperadamente o sentido de plenitude e totalidade que você chama felicidade.

P: Quando a perdi? Eu nunca a tive.

M: Você a tinha antes de despertar esta manhã. Vá além de sua consciência e a encontrará.

P: Como vou além?

M: Você já sabe; faça.

P: Isso é o que você diz. Não sei nada a respeito.

M: Não obstante, repito – já o sabe. Faça-o. Vá além, de volta a seu estado normal, natural, supremo.

P: Estou confundido.

M: Uma poeira no olho o faz pensar que está cego. Limpe-o e olhe.

P: Eu olho! Só vejo escuridão.

M: Elimine a poeira e seus olhos ficarão inundados de luz. A luz está aí, esperando. Os olhos estão aí – prontos. A escuridão que você vê é só a sombra da poeira. Desembarace-se dela e volte a seu estado natural.


DE: "Eu Sou Aquilo" - Editora Advaita


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